A água que sustenta o Estado de São Paulo

O uso da água subterrânea no abastecimento de cidades do Estado de São Paulo

Mário Marcelino, Dr.

10/15/20255 min read

A água invisível que sustenta o Estado de São Paulo — por que importa agora

A água subterrânea é a coluna vertebral do abastecimento em grande parte do Estado de São Paulo. Estudos e levantamentos indicam que cerca de 74% dos municípios paulistas dependem, parcial ou integralmente, de águas subterrâneas para abastecimento — um dado que revela a dimensão social e operacional desse recurso.

Em várias cidades do interior a dependência é ainda maior: Ribeirão Preto é um exemplo clássico — o abastecimento público do município é praticamente 100% dependente do Aquífero Guarani, com centenas de poços explorados para atender a população. Em Bauru, o sistema público é abastecido de forma significativa por aquíferos (estimativas apontam ~58% de contribuição do Sistema Aquífero Guarani em determinados levantamentos locais). Essas realidades mostram que aquíferos regionais (Guarani, Bauru, Sistema Aquífero Bauru, entre outros) não são reservas “de luxo” — são fontes ativas e essenciais.

Capacidade e limites: o risco da exploração não gerida

Embora muitos aquíferos tenham grande volume, a recarga natural nem sempre acompanha a taxa de extração — estudos recentes sobre o Sistema Aquífero Guarani apontam que as chuvas nem sempre conseguem recompor totalmente as vazões exploradas e que há áreas com sobre-exploração e risco de perda de disponibilidade a médio prazo. Além disso, a continuação de extrações não monitoradas leva a dois riscos críticos e correlacionados: rebaixamento do nível freático (interferência entre poços, perda de produtividade e necessidade de rebaixamento de bombas) e aumento da vulnerabilidade à contaminação (quando o nível cai, caminhos preferenciais podem permitir entrada mais rápida de poluentes).

Legislação e gestão: São Paulo tem estrutura — e instrumentos — para gerir

O Estado de São Paulo dispõe de um arcabouço legal e regulatório estruturado para a gestão dos recursos hídricos, incluindo águas subterrâneas. Entre as normas centrais estão:

  • Lei Estadual nº 7.663/1991 — institui a Política Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH).

  • Decreto nº 63.262/2018 — aprova o regulamento da outorga de direito de uso dos recursos hídricos (procedimentos e critérios para concessão de outorga, incluindo captações subterrâneas).

  • Legislação específica sobre cobrança e condicionantes (ex.: Lei nº 12.183/2005 e seu decreto regulatório) e dispositivos estaduais que tratam da preservação e proteção de depósitos subterrâneos (ex.: Decreto nº 32.955/1991 e Lei nº 6.134/1988 tratam de proteção de recursos subterrâneos).

Órgãos e instrumentos operacionais estão igualmente em evolução: a SP Águas (Agência de Águas do Estado) centraliza procedimentos de outorga e monitoramento, e a CETESB mantém orientações técnicas sobre águas subterrâneas e instrumentos de proteção. Esses instrumentos dão a São Paulo uma base robusta para gerenciar captações, exigir monitoramento (nível e vazão) e condicionar usos.

Riscos práticos de não gerir: contaminação, rebaixamento e perda de produtividade

Se a exploração e o uso não forem regulados e monitorados, os impactos são imediatos e concretos:

  • Contaminação: fontes pontuais (lixões, indústrias, fossas mal manejadas, vazamentos de combustível) podem afetar aquíferos livremente recarregados; sem perímetros de proteção e controle do uso do solo, a água tratada para consumo fica em risco. (CETESB e relatórios técnicos apontam a necessidade de instrumentos de proteção específicos para poços e aquíferos).

  • Rebaixamento dos níveis: extrações acima da capacidade de recarga provocam queda do nível freático, aumento dos custos de bombeamento, redução das vazões específicas dos poços e interferência entre captacoes — fenômeno já detectado em regiões urbanizadas do Alto Tietê e outras bacias.

  • Perda de produtividade e custos sociais: queda de vazões pode obrigar perfurações mais profundas, realocação de poços, compras emergenciais de água e até racionamento — com impacto econômico direto para municípios e setores produtivos.

Estudo hidrogeológico básico: pilar do planejamento e da perfuração responsável

Antes de perfurar ou ampliar uma captação, o estudo hidrogeológico básico é imprescindível. Um bom estudo deve contemplar, no mínimo:

  1. Caracterização geológica e hidrostratigráfica (identificação de aquíferos, litologias, espessuras e condições de confinamento).

  2. Mapeamento de usos do solo e fontes de contaminação potencial (indústrias, áreas de disposição de resíduos, fossas).

  3. Levantamento de nível estático e dinâmico em poços existentes e análise temporal (séries históricas).

  4. Testes hidráulicos (bombeamento e recuperação) para estimar transmissividade, armazenagem e vazões sustentáveis.

  5. Modelagem — mesmo que conceitual — de fluxo subterrâneo, para avaliar interferências entre poços, áreas de contribuição e possíveis impactos de longo prazo.

  6. Programa de monitoramento (nível, vazão extraída e qualidade) e medidas de mitigação recomendadas.

Esses elementos permitem estimar vazões sustentáveis, definir perímetros de proteção e planejar recargas artificiais, se necessárias. Em São Paulo há guias e experiências locais (por exemplo, delimitação de perímetros de proteção para sistemas aquíferos como o de Bauru) que orientam a aplicação prática desses conceitos.

Perímetros de proteção de poços: por que e como definir

Os perímetros de proteção (zona de proteção imediata, zona de contribuição e perímetro de alerta) são instrumentos técnicos e legais para resguardar a qualidade e a sustentabilidade de poços produtores. No Estado, existem regulamentações e decretos que orientam a criação desses perímetros e a restrição de atividades potencialmente poluidoras nas áreas sensíveis — e documentos técnicos (municípios e comitês de bacia) têm delineado procedimentos práticos para cálculo e implantação desses perímetros. A combinação entre estudos hidrogeológicos, modelagem hidráulica e instrumentos legais (outorga, zoneamento, condicionantes) é a forma mais eficaz de proteção.

Quer saber mais, leia em https://frevoeco.com.br/perimetro-de-protecao-de-pocos

Recomendações práticas (para gestores municipais, empresas e profissionais)

  • Priorizar cadastramento e outorga das captações de água subterrânea (controle da extração é passo zero).

  • Exigir estudo hidrogeológico mínimo antes de autorizar perfurações para uso coletivo/industrial.

  • Implantar monitoramento contínuo (nível, vazão e qualidade) e relatórios anuais de extração — medida já prevista para outorgados em SP.

  • Definir e proteger perímetros de proteção ao redor dos poços produtores e harmonizar o zoneamento urbano com as áreas de recarga.

  • Avaliar recarga gerenciada (ex.: infiltração de águas tratadas quando tecnicamente viável) nas áreas com sobre-exploração comprovada. Estudos em municípios como Ribeirão Preto já apontam essa necessidade operacional.

Conclusão — por que publicar isso no LinkedIn agora

São Paulo já tem a base legal e técnica para gerir melhor suas águas subterrâneas — mas a escala de dependência municipal e sinais de sobre-exploração em áreas críticas exigem atenção imediata. Informar gestores, técnicos, empresas e cidadãos sobre a necessidade de estudos hidrogeológicos, outorga, monitoramento e perímetros de proteção é um passo prático para evitar crises futuras. O tema é técnico, mas tem impacto direto na economia, saúde pública e resiliência dos municípios — por isso merece espaço nas conversas estratégicas de governança e infraestrutura.