PERÍMETRO DE PROTEÇÃO DE POÇOS

O que é, para que servem e as dificuldades em implementar

Mário Marcelino, Dr.

7/12/20255 min read

A exploração das águas subterrâneas na região da Grande São Paulo remonta ao início do século XX, sendo que, já em 1898, destacava-se a possibilidade de sua explotação (LEINZ, 1955). Atualmente, existem cerca de 7.000 poços tubulares cadastrados na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), extraindo aproximadamente 203 milhões de m³/ano de água subterrânea, o que corresponde a apenas 25% da disponibilidade avaliada para a região (CEPAS, 1994).

A redução da disponibilidade, aliada à degradação da qualidade da água em função da urbanização acelerada e dos processos industriais e agrícolas na RMSP, constitui um fator determinante para a necessidade de gerenciamento integrado e harmônico dos recursos hídricos subterrâneos.

Os Perímetros de Proteção de Poços (PPP) são definidos para impedir que o manancial de abastecimento de água subterrânea (poço ou fonte) seja contaminado por atividades antrópicas. Suas dimensões e forma dependem das características hidrogeológicas locais, mas normalmente enfrentam restrições e interesses econômicos. Por isso, diversas técnicas são aplicadas para sua delimitação, adaptando-se a cada situação específica.

Restringir o uso do solo ao redor de uma fonte de captação de água subterrânea é uma das formas mais antigas de proteção do manancial contra contaminantes, sendo registradas experiências já na época do Império Romano. O primeiro país americano a aplicar formalmente esse tipo de dispositivo de proteção foi Barbados, que em 1963 estabeleceu uma divisão territorial baseada em PPP e nas áreas de recarga/descarga do aquífero.

No Brasil, o Decreto Estadual nº 32.955, de 1991, incluiu o gerenciamento das águas subterrâneas, estabelecendo que, em sua administração, deve-se sempre considerar sua interconexão com as águas superficiais e as interações observadas no ciclo hidrológico.

Esse Decreto apresenta as seguintes classificações (Seção II, Artigo 20):

  • Área de Proteção: zonas de recarga de aquíferos essenciais para abastecimento público;

  • Área de Restrição e Controle: áreas sujeitas a controle e restrições para fontes poluidoras;

  • Área de Proteção de Poços e Outras Captações: inclui distância mínima entre poços e respectivos perímetros de proteção.

Estabelece ainda os seguintes perímetros de proteção:

Perímetro Imediato de Proteção Sanitária (PIPS): raio de dez metros a partir do ponto de captação, cercado e protegido com telas. Os poços devem possuir laje de proteção sanitária em concreto armado, com área mínima de três metros quadrados, para evitar a penetração de poluentes.

Perímetro de Alerta contra Poluição (PAP): distância equivalente ao tempo de trânsito de cinquenta dias, coaxialmente ao sentido de fluxo das águas subterrâneas no aquífero, considerando poluentes não conservativos.

Assim, observa-se que a legislação estadual não define claramente os PPP, estabelecendo apenas critérios para o PIPS e o PAP.

Nos Estados Unidos, o programa de delimitação dos perímetros de proteção de poços define três zonas principais (U.S. EPA, 1984), conforme ilustra a Figura 1:

a) Zona de Influência (ZI) ou de Remediação: estabelece um perímetro que possibilite a detecção, remediação e controle de contaminantes antes que atinjam o poço;

b) Zona de Transporte (ZT) ou de Atenuação: define uma área que permite a degradação natural de contaminantes, especialmente microbianos;

c) Zona de Contribuição (ZC) ou de Gerenciamento: visa regular o uso do solo, evitando a infiltração de contaminantes persistentes e móveis.

Figura 1. Relação entre as zonas de proteção em aquífero não confinado em meio poroso (adaptado de U.S. EPA, 1987 e 1994).

A U.S. EPA (1987, 1988, 1994) classifica os métodos de delimitação de PPP em cinco grandes grupos, descritos resumidamente a seguir:

I. Métodos Geométricos (G)

  • Raio Fixo Arbitrário (G-RFA)

  • Raio Fixo Calculado ou Método Cilíndrico (G-RFC)

  • Forma Variável Simplificada (G-FVS)

II. Métodos Baseados em Mapeamento Físico (MF)

  • Mapeamento Hidrogeológico (MF-H)

  • Mapeamento de Vulnerabilidade (MF-V)

III. Métodos Analíticos Simples Baseados no Tempo de Trânsito (ATT)

  • Lei de Darcy e Rede de Fluxo (ATT-LDRF)

  • Cone de Depressão e Tempo de Trânsito sem Gradiente da Superfície Potenciométrica (ATT-CD)

  • Cone de Depressão e Tempo de Trânsito com Gradiente da Superfície Potenciométrica (ATT-CDG)

  • Interação de Fluxo entre Aquíferos e Tempo de Trânsito (ATT-FA)

  • Aproximação do Tempo de Trânsito (ATT-A)

IV. Métodos Analíticos Baseados no Rebaixamento (AR)

  • Equação de Fluxo Uniforme (AR-FU)

  • Equação de Equilíbrio de Theim (AR-ET)

  • Equação de Não Equilíbrio (AR-NE)

  • Recarga de Aquífero Fissural Proveniente de Manto de Alteração (AR-AF)

  • Equações para Situações Especiais (AR-SE)

V. Métodos Baseados em Modelagem Numérica (MN)

  • Modelos Numéricos de Fluxo e Transporte (MN-FT)

O comportamento hidrogeológico de uma área resulta das características intrínsecas e extrínsecas do meio físico, que devem ser estudadas na delimitação de um PPP, sendo estas fixas ou variáveis ao longo do tempo (Quadro 1).

Quadro 1. Características do comportamento hidrogeológico.

Assim, o traçado final do PPP deriva da combinação de diferentes métodos, cada qual apresentando incertezas relacionadas ao nível de conhecimento das características locais e à representatividade futura dos dados, considerando possíveis variações ao longo do tempo.

Diversos estudos discutem a confiabilidade e sensibilidade dos métodos de delimitação de PPP, principalmente quanto às limitações das informações disponíveis e às características heterogêneas e anisotrópicas dos sistemas aquíferos, conforme resumido na Tabela 1. Diferentes métodos resultam em diferentes áreas de proteção. Por isso, a escolha do método deve considerar as informações disponíveis e o risco associado à eventual captação de contaminantes pelo poço.

Tabela 1 - Alguns fatores que influenciam na sensibilidade e confiabilidade dos métodos de delimitação dos PPP

De forma geral, observa-se que métodos geométricos resultam em áreas circulares, variando em função do tempo considerado, mas sem levar em conta a direção do fluxo nem as heterogeneidades do aquífero. Métodos analíticos, por sua vez, consideram a direção do fluxo, gerando áreas de proteção elipsoidais mais coerentes, mas ainda simplificadas, pois não incorporam as heterogeneidades e anisotropias do sistema, o que só é possível por meio de modelos hidrogeológicos tridimensionais e investigação detalhada.

É importante ressaltar que, na prática, prevenir é sempre mais barato do que remediar. Os custos decorrentes da contaminação de um poço produtor de água subterrânea superam amplamente o investimento necessário para estudos hidrogeológicos detalhados e modelagem matemática que permitam implantar uma estratégia de proteção eficiente para o manancial de abastecimento.