Zona não saturada ou vadosa
O que é, como funciona e sua importância
Mário Marcelino, Dr.
8/18/20258 min read


A Zona Vadosa: Importância Hidrogeológica e Ambiental
Introdução
A zona vadosa, também chamada de zona não saturada, é a camada do solo e do subsolo localizada entre a superfície da Terra e o nível freático. Nesse espaço, os poros não estão completamente preenchidos por água: parte é ocupada por ar, parte por água, em proporções variáveis ao longo do tempo e do espaço. Essa condição confere à zona vadosa um papel crucial tanto para a hidrogeologia quanto para os estudos ambientais. Do ponto de vista hidrogeológico, ela regula o processo de infiltração da água da chuva, controlando a recarga dos aquíferos e influenciando a disponibilidade de água subterrânea. Já no campo ambiental, funciona como um filtro natural, capaz de reter, degradar ou atenuar contaminantes antes que atinjam o lençol freático.
De forma simples, o lençol freático marca o início da zona saturada, a partir da qual todos os espaços porosos ou fraturas das rochas estão preenchidos com água. Acima dele está a zona não saturada, onde o ar ainda ocupa parte dos poros (Figura 1)
Figura 1 - Detalhamento da zona não saturada, de capilaridade e a saturada
Entre o lençol freático e a zona não saturada existe uma faixa de transição chamada zona capilar.
Essa zona capilar é formada pela ascensão da água por forças de capilaridade nos poros do solo ou nas fissuras das rochas.
Sua espessura pode variar de alguns centímetros a vários decímetros, dependendo das características físicas do solo, como tamanho e distribuição dos grãos, textura e porosidade. Solos finos, como argilas, tendem a ter zonas capilares mais espessas que solos arenosos.
Características e Propriedades da Zona Vadosa
A zona vadosa é extremamente heterogênea, variando de acordo com o tipo de solo, rochas subjacentes, clima, cobertura vegetal e uso do solo. Sua principal característica é a presença simultânea de água e ar nos poros, o que cria um ambiente dinâmico e com grande importância biogeoquímica. A umidade varia continuamente, acompanhando os ciclos de chuva e evaporação. Além disso, a presença de oxigênio nos espaços porosos confere condições para uma intensa atividade microbiana, responsável por processos de decomposição de matéria orgânica e degradação de contaminantes.
Do ponto de vista físico, a zona vadosa é regida por propriedades que determinam sua capacidade de armazenar e transmitir água. A condutividade hidráulica não saturada, por exemplo, descreve a facilidade com que a água se move pelos poros quando o solo não está totalmente cheio. Essa condutividade é altamente variável, aumentando em condições de maior umidade. Outra propriedade essencial é a curva de retenção de água no solo, que relaciona a quantidade de água presente com a energia necessária para extraí-la das partículas, evidenciando as diferenças de comportamento entre solos arenosos, siltosos e argilosos. Também merece destaque a porosidade efetiva, que representa o volume de poros disponíveis para a movimentação da água e dos gases.
Movimento da Água na Zona Vadosa
O deslocamento da água na zona vadosa ocorre de formas variadas, influenciado pelas forças de gravidade, capilaridade e adesão. O movimento gravitacional é aquele em que a água, excedendo a capacidade de retenção do solo, percola em direção ao lençol freático, representando a principal via de recarga dos aquíferos. O movimento capilar, por sua vez, corresponde ao deslocamento da água em películas finas ao redor das partículas, geralmente em direção ascendente ou lateral, desempenhando papel essencial na manutenção da umidade em solos argilosos e na sobrevivência de plantas em períodos secos. Já o movimento higroscópico refere-se à película extremamente fina de água fortemente aderida às partículas minerais, indisponível para uso pelas plantas e com mobilidade praticamente nula.
Diversos fatores controlam a velocidade e a direção desse movimento. A textura e a estrutura do solo influenciam diretamente: solos arenosos permitem uma infiltração mais rápida, mas armazenam pouca água, enquanto solos argilosos apresentam infiltração lenta e elevada capacidade de retenção. A matéria orgânica tende a aumentar a retenção de água e fornecer suporte biológico para a degradação de compostos. A densidade do solo, especialmente em áreas compactadas, pode dificultar a infiltração e favorecer o escoamento superficial. A cobertura vegetal também exerce grande influência, reduzindo o impacto direto da chuva, aumentando a infiltração e regulando a evapotranspiração. Finalmente, a intensidade e a duração das precipitações determinam a quantidade de água que realmente percola em profundidade.
Transporte de Contaminantes na Zona Vadosa
A zona vadosa é a principal barreira natural contra a contaminação das águas subterrâneas. Quando substâncias poluentes são derramadas ou depositadas na superfície do solo, o trajeto até o lençol freático passa necessariamente por essa região. Nesse percurso, os contaminantes podem ser retidos, degradados, transformados ou transportados em função de diversos processos físicos, químicos e biológicos.
Do ponto de vista vertical, a zona vadosa pode ser dividida em diferentes faixas. A primeira é a zona de evaporação, localizada próxima à superfície, onde a perda de água por evaporação é intensa e a atividade biológica é elevada, favorecendo a decomposição rápida de compostos orgânicos. Abaixo dela encontra-se a zona intermediária, onde a infiltração predomina e a mobilidade de contaminantes solúveis é mais significativa. Já nas proximidades do lençol freático situa-se a zona capilar, onde a água é puxada por capilaridade, criando um ambiente saturado e de menor oxigenação, em que os contaminantes tendem a persistir por mais tempo.
O transporte dos contaminantes é regido por diversos mecanismos. A advecção representa o arraste dos poluentes pela água em movimento. A dispersão é o espalhamento do contaminante, causado por variações de velocidade no fluxo e heterogeneidades do meio. A adsorção e dessorção referem-se à interação química dos contaminantes com as partículas minerais e a matéria orgânica, o que pode retardar ou liberar compostos ao longo do tempo. A biodegradação é talvez o processo mais importante, em que microrganismos transformam substâncias químicas em compostos menos tóxicos, dependendo das condições de oxigênio e nutrientes.
O gráfico apresenta a variação da concentração de um contaminante em função da profundidade, da superfície do solo até o nível freático, ilustrando os principais processos que contribuem para sua redução na zona vadosa.
Gráfico 1 - % de concentração pela profundidade
O Gráfico 1 apresenta a concentração dos contaminantes (em % em relação a concentração inicial) pela profundidade na zona não saturada, ao infiltrar, até a chegada no nível fre´tico ou zona saturada.
Curvas representadas:
Overall Contaminant (vermelho, contínuo): Mostra a diminuição global da concentração do contaminante com a profundidade, integrando os efeitos de todos os processos de degradação e remoção.
Chemical Reaction (laranja, tracejado): Indica a degradação química, como fotodegradação ou volatilização, mais intensa próximo à superfície e rapidamente decrescente com a profundidade.
Biological Degradation (verde, ponto-traço): Predominante na zona intermediária, onde microorganismos realizam a biodegradação do contaminante.
Sorption (azul, pontilhado): Mostra o efeito da sorção ao longo de toda a profundidade, representando a retenção gradual do contaminante nos solos e sedimentos.
O gráfico evidencia como diferentes processos atuam simultaneamente, mas em diferentes profundidades, promovendo a redução progressiva da concentração de contaminantes da superfície até o lençol freático.
Os fatores de atenuação natural da contaminação são variados. A presença de oxigênio, por exemplo, favorece processos de degradação aeróbia, muito mais eficazes do que os anaeróbios. A matéria orgânica atua como superfície de adsorção e também como fonte de energia para microrganismos degradadores. A profundidade influencia diretamente na velocidade de degradação: quanto mais profunda a zona, menor a disponibilidade de oxigênio e mais lentos os processos biológicos. Dessa forma, é possível observar uma progressão na degradação dos contaminantes, desde uma decomposição rápida e intensa na superfície, passando por uma degradação parcial na zona intermediária, até uma degradação lenta e incompleta próxima ao lençol freático.
Tecnologias de Estudo da Zona Vadosa
O estudo da zona vadosa é desafiador, pois essa região apresenta grande variabilidade espacial e temporal. Entretanto, diversas tecnologias têm sido desenvolvidas para compreender sua dinâmica. Entre os métodos diretos, destacam-se as sondas de TDR (Time Domain Reflectometry), que medem o conteúdo de água no solo em tempo real com base na velocidade de propagação de sinais eletromagnéticos. Os tensiômetros são amplamente utilizados para medir a pressão mátrica do solo, fornecendo informações sobre a disponibilidade de água para plantas e microrganismos. Os lisímetros permitem coletar a água que percola em profundidade, possibilitando análises químicas e a avaliação do transporte de contaminantes. Ensaios de infiltração também são realizados para determinar a condutividade hidráulica não saturada.
Além dos métodos diretos, técnicas geofísicas têm grande aplicação, como a eletrorresistividade e o radar de penetração no solo (GPR), que permitem caracterizar a estrutura e a umidade da zona vadosa em maior escala. Complementando esses métodos, a modelagem numérica tem se tornado essencial para prever o fluxo de água e o transporte de contaminantes. Programas como HYDRUS e MODFLOW-USG simulam condições reais, permitindo avaliar cenários de contaminação, recarga de aquíferos e estratégias de remediação.
Aplicações Práticas do Conhecimento da Zona Vadosa
O conhecimento da zona vadosa possui aplicações diretas em diversas áreas. Na gestão de recursos hídricos, é essencial para estimar a recarga de aquíferos e planejar o uso sustentável da água subterrânea. Em projetos de saneamento, a compreensão da dinâmica da infiltração permite avaliar a viabilidade de sistemas de disposição de efluentes, como fossas sépticas e sistemas de infiltração. No campo da remediação ambiental, o entendimento dos processos de transporte e degradação dos contaminantes orienta a escolha das técnicas mais adequadas para cada situação, desde a fitorremediação até a aplicação de barreiras reativas.
Na agricultura, o estudo da zona vadosa possibilita o manejo mais eficiente da irrigação e do uso de fertilizantes, reduzindo perdas de nutrientes e evitando a contaminação dos aquíferos. Já no licenciamento ambiental, a análise da vulnerabilidade da zona vadosa é crucial para avaliar riscos de poluição em empreendimentos industriais, minerários e urbanos. Dessa forma, a compreensão desse compartimento do subsolo se torna uma ferramenta indispensável para conciliar desenvolvimento econômico, preservação ambiental e segurança hídrica.
Considerações Finais
A zona vadosa é um componente essencial do ciclo hidrológico e do equilíbrio ambiental. Sua função como reguladora da infiltração, protetora natural dos aquíferos e reatora biogeoquímica de contaminantes a torna estratégica em estudos hidrogeológicos e ambientais. O aprofundamento no entendimento de seus processos, aliado ao uso de tecnologias modernas de investigação e monitoramento, é fundamental para garantir a sustentabilidade do uso da água e a proteção dos ecossistemas subterrâneos.




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