Riscos à Saúde Humana por Contaminantes no Ambiente

Conceitos básicos e aplicações.

Mário Marcelino, Dr.

9/1/20254 min read

Riscos à Saúde Humana e aos Ecossistemas por Contaminantes no Ambiente

1. Introdução

A contaminação ambiental é um problema global que compromete a saúde humana, a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas. Substâncias químicas provenientes de atividades industriais, agrícolas, minerárias e urbanas, quando liberadas no solo, na água ou no ar, apresentam grande potencial de mobilidade e toxicidade. Entre os principais contaminantes encontram-se os metais pesados (chumbo, mercúrio, cádmio), os hidrocarbonetos derivados do petróleo, os solventes clorados, pesticidas e outros compostos orgânicos persistentes. A gravidade de seus efeitos está associada tanto à concentração e tempo de exposição quanto às características intrínsecas de cada substância, como solubilidade, volatilidade e capacidade de bioacumulação.

2. Impactos sobre a Saúde Humana e os Ecossistemas

A exposição a contaminantes pode ocorrer de maneira aguda ou crônica. Nos seres humanos, efeitos imediatos incluem irritações, intoxicações e distúrbios respiratórios, enquanto exposições prolongadas estão relacionadas a câncer, doenças renais e hepáticas, disfunções neurológicas e distúrbios endócrinos.

Nos ecossistemas, o impacto se manifesta pela redução da fertilidade dos solos, pela alteração da microbiota, pela mortalidade de organismos aquáticos e pela perda de biodiversidade. A bioacumulação é um fator agravante, pois determinadas substâncias se acumulam nos tecidos vivos e se biomagnificam ao longo das cadeias alimentares, alcançando concentrações muito superiores àquelas encontradas no meio físico original. Esse processo ameaça não apenas espécies animais, mas também populações humanas que dependem desses recursos para sua subsistência.

3. Metodologia da CETESB para Avaliação de Risco à Saúde Humana

A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) desenvolveu e consolidou uma metodologia de Avaliação de Risco à Saúde Humana (ARSH) para subsidiar a gestão de áreas contaminadas. Essa ferramenta segue referências internacionais (como USEPA e ASTM) adaptadas à realidade brasileira e está formalizada em normas técnicas e valores orientadores.

A ARSH é baseada em quatro etapas principais:

  1. Identificação de Perigos (Hazard Identification): levantamento dos contaminantes presentes na área e de seus efeitos tóxicos conhecidos.

  2. Avaliação de Exposição (Exposure Assessment): identificação das vias pelas quais seres humanos podem entrar em contato com os contaminantes (ingestão, inalação, contato dérmico) e estimativa da dose de exposição.

  3. Avaliação da Toxicidade (Toxicity Assessment): análise dos parâmetros toxicológicos, como Dose de Referência (RfD), Fator de Carcinogenicidade (SF – Slope Factor) e Valores Orientadores de Qualidade do Solo e da Água.

  4. Caracterização do Risco (Risk Characterization): integração entre exposição e toxicidade, resultando na estimativa do risco não carcinogênico (HQ – Hazard Quotient) e carcinogênico (ex.: risco incremental de câncer).

4. Informações Necessárias para a Avaliação

A aplicação da metodologia exige a integração de diferentes tipos de dados:

  • Características químicas dos contaminantes: solubilidade, volatilidade, coeficiente de partição octanol-água (Kow), constante de Henry e meia-vida ambiental.

  • Dados do meio físico: tipo e granulometria do solo, profundidade do lençol freático, permeabilidade, direção e velocidade do fluxo subterrâneo.

  • Cenários de uso e ocupação do solo: áreas residenciais, industriais, comerciais, agrícolas ou de proteção ambiental.

  • Receptores potenciais: trabalhadores, moradores, populações vulneráveis (crianças, idosos), fauna e flora.

Esses dados são combinados em modelos matemáticos de transporte de contaminantes (migração no solo, dissolução em águas subterrâneas, volatilização para o ar) e em modelos de exposição humana, que permitem estimar doses médias diárias de contaminantes.

5. Aspectos Legais e Valores Orientadores

A metodologia da CETESB está amparada por legislações estaduais e federais, como a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) e a Resolução CONAMA 420/2009, que estabelece critérios e valores orientadores de qualidade do solo. A CETESB, por sua vez, publica periodicamente Valores Orientadores (VOs) para o Estado de São Paulo, definidos como:

  • Valor de Referência de Qualidade (VRQ): concentrações naturais ou de fundo geológico.

  • Valor de Prevenção (VP): limite que visa preservar a qualidade do solo e águas subterrâneas.

  • Valor de Intervenção (VI): concentrações acima das quais há risco à saúde humana, demandando medidas de gestão e remediação.

Esses parâmetros servem como referência para definir a gravidade da contaminação e para orientar a adoção de medidas corretivas ou restritivas.

6. Vias de Exposição e Bioacumulação

As principais vias de exposição a contaminantes incluem:

  • Ingestão: de água subterrânea contaminada, alimentos cultivados em solos poluídos ou organismos aquáticos bioacumuladores.

  • Inalação: de vapores e gases voláteis (como BTEX e solventes clorados) ou partículas em suspensão.

  • Contato dérmico: durante atividades ocupacionais ou recreacionais em áreas impactadas.

O risco é ainda potencializado pela bioacumulação e biomagnificação, que descrevem o acúmulo progressivo de contaminantes nos organismos vivos e o aumento de suas concentrações ao longo das cadeias alimentares. Esse mecanismo é particularmente relevante para metais pesados como mercúrio e cádmio, que dificilmente são metabolizados ou eliminados.

7. Objetivo e Alcance da Ferramenta

A Avaliação de Risco à Saúde Humana da CETESB tem como principal objetivo proteger a saúde pública e o meio ambiente, oferecendo subsídios técnicos para:

  • Definição da necessidade de remediação.

  • Seleção de tecnologias de descontaminação mais adequadas.

  • Estabelecimento de restrições de uso do solo e da água.

  • Priorização de áreas em programas de recuperação ambiental.

Seu alcance vai além da identificação do problema: a ferramenta contribui para a tomada de decisão em políticas públicas, licenciamento ambiental, responsabilidade legal de poluidores e segurança jurídica em processos de compra, venda ou ocupação de imóveis potencialmente contaminados.

8. Conclusão

A gestão de áreas contaminadas exige a integração de conhecimento técnico, legislações ambientais e metodologias consolidadas de avaliação de risco. A ferramenta desenvolvida pela CETESB representa um avanço significativo no Brasil, permitindo identificar cenários críticos, quantificar riscos e orientar medidas de mitigação e remediação. Ao considerar as vias de exposição, os parâmetros toxicológicos e os valores orientadores, essa metodologia contribui para garantir a segurança das populações humanas e a integridade dos ecossistemas, assegurando a sustentabilidade e o uso responsável dos recursos naturais