Responsabilidade legal solidária sobre áreas contaminadas

Decisões judiciais sobre responsabilidade solidária em áreas contaminadas

Mário Marcelino, Dr.

9/26/20256 min read

Introdução e apresentação do tema

A responsabilidade por danos ambientais em áreas contaminadas é tema central do direito ambiental brasileiro e tem grande impacto prático sobre proprietários, sucessores, ocupantes, investidores e empresas. As normas e a jurisprudência pátrias consolidaram o entendimento de que a responsabilidade é, via de regra, objetiva (independe de culpa) e solidária entre os agentes que se beneficiaram ou contribuíram para a atividade poluidora — alcançando, em muitos casos, o causador, o proprietário, o possuidor e até sucessores. Este texto explica o marco normativo federal e paulista, resume decisões judiciais relevantes e apresenta recomendações práticas para empresários e investidores. Planalto+1

Conceituação, normas e legislação (federal e Estado de São Paulo)

Conceituação básica. “Área contaminada” é local onde há concentração anormal de substâncias químicas ou resíduos capaz de causar risco à saúde humana ou ao meio ambiente; o gerenciamento inclui identificação, investigação, remediação e monitoramento. A responsabilidade por danos ambientais costuma ser tratada como objetiva e, em muitos casos, propter rem (vinculada à coisa/imóvel), o que permite atingir sucessores e possuidores.

Legislação federal relevante.

  • Lei n.º 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) — princípios e regras gerais, incluindo o princípio do poluidor-pagador.

  • Resolução CONAMA nº 420/2009 — dispõe sobre critérios e procedimentos para gerenciamento de áreas contaminadas (classificação, investigação, valores orientadores de qualidade do solo, cadastro). A resolução é referência técnica para órgãos ambientais e para ações de remediação.

  • Normas correlatas: Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) e regras setoriais (portarias do Ministério da Saúde sobre qualidade de água/solo, entre outras).

Legislação e normatização do Estado de São Paulo.

  • Lei Estadual n.º 13.577/2009 (proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas) e seu regulamento/decreto (Decreto Estadual nº 59.263/2013) atribuem à CETESB a coordenação do processo de identificação e gerenciamento, e definem, expressamente, quem são os responsáveis legais e solidários: causador, seus sucessores, proprietário, superficiário, possuidor de fato e quem se beneficiar direta ou indiretamente da área. O regulamento estadual ainda prevê averbação na matrícula do imóvel e ferramentas administrativas de atuação.

Decisões e jurisprudência

Linhas jurisprudenciais consolidadas.

  1. Responsabilidade objetiva e solidariedade. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) repete entendimento pacífico: a responsabilidade por dano ambiental é objetiva (basta provar o dano e o nexo causal) e, via de regra, solidária entre os responsáveis, aplicando-se a teoria do risco integral/poluidor-pagador. Isso permite que quem obtenha proveito da atividade poluente seja chamado a responder.

  2. Alcance contra proprietários e sucessores. A jurisprudência e a regulação estadual (SP) reconhecem que proprietários e sucessores podem ser responsabilizados, salvo prova de que não houve relação com a atividade causadora do dano ou quando for demonstrado fato excludente de responsabilidade. O caráter propter rem e a solidariedade operacional facilitam a responsabilização patrimonial para fins de reparação e remediação.

  3. Dano moral coletivo e presunção. Recentes compilações de jurisprudência do STJ indicam que, uma vez configurado o dano ambiental, o dano moral coletivo é presumido (dispensa prova do sofrimento coletivo), reforçando o potencial de condenações que não se limitem apenas à reparação material/ambiental.

  4. Poluidor indireto e extensão da responsabilização. Decisões recentes do STJ têm aprofundado a ideia de alcançar poluidores indiretos ou terceiros que, de alguma forma, lucraram ou se beneficiaram da atividade. A solidariedade não é absoluta — o julgador pode modular a participação/descontos conforme o grau de nexo causal e contribuição para o dano — mas a regra prática favorece a exigência conjunta.

Decisão exemplar (indicativa). O Recurso Especial nº 1.363.107 (STJ) trata expressamente da responsabilidade coletiva/solidária por dano ambiental, tratando da aplicação da teoria do risco integral ao poluidor/pagador e da possibilidade de responsabilizar múltiplos agentes. (consulta do acórdão é recomendada para citações específicas em peças jurídicas).

Atenções que todo empresário deve ter com suas atividades

  1. Conformidade normativa e prevenção. Implementar gestão ambiental (licenciamento, controles operacionais, planos de gerenciamento de resíduos e monitoramento de solo/água) para diminuir risco de contaminação. Cumprir normas técnicas (CONAMA 420/2009, portarias sanitárias).

  2. Segurança documental e traceability. Manter registros de operações, contratos com prestadores, notas técnicas, laudos e relatórios de inspeção e de gestão de resíduos — essenciais para demonstrar diligência e eventual defesa.

  3. Plano de contingência e seguro ambiental. Ter planos de resposta a incidentes, reserva financeira e avaliar contratação de seguro ambiental (quando disponível) e garantias contratuais.

  4. Avaliação de fornecedores e terceirizados. Fiscalizar terceiros cuja atividade possa gerar risco (armazenagem, manuseio de produtos perigosos, gestão de resíduos). Contratos com cláusulas de compliance ambiental e obrigações de indenizar/assumir remediação se causarem dano.

Atenções que todo investidor deve ter ao adquirir imóveis e empresas

  1. Due diligence ambiental aprofundada. Antes de qualquer aquisição, realizar investigação ambiental (fases I, II e, se necessário, III) para verificar existência de passivos ambientais, contaminação de solo/lençol freático e ações administrativas ou judiciais. A ausência de investigação é risco que frequentemente leva a responsabilizações posteriores.

  2. Averbação e consulta a cadastros. Consultar o Cadastro Nacional de Áreas Contaminadas (CNAC) e registros estaduais (p.ex. CETESB em SP), além de averbações na matrícula do imóvel que indiquem restrições ou obrigações. Em São Paulo, a CETESB tem procedimentos de averbação e cadastro de áreas contaminadas.

  3. Cláusulas contratuais de atribuição de responsabilidade. Negociar indenizações, garantias, seguros, cláusulas de reembolso e escopo da responsabilidade (ao máximo permitido pela lei — lembrando que a solidariedade e a ordem pública ambiental podem limitar a eficácia de certas cláusulas contratuais). Em outras palavras: contratos privados podem transferir riscos, mas não afastam obrigações de reparar administrativamente ou civilmente perante o poder público.

  4. Avaliação de passivos administrativos e judiciais. Verificar processos, autos de infração, termos de ajuste e exigências de órgãos ambientais (CETESB, IBAMA) e potenciais contingências patrimoniais.

Conclusão

A lei e a jurisprudência brasileiras adotam um regime rigoroso para áreas contaminadas: responsabilidade objetiva, caráter solidário e tendência a atingir não só o causador direto, mas também proprietários, possuidores, sucessores e beneficiários da atividade contaminante. No Estado de São Paulo, legislação e regulamentos (Lei 13.577/2009 e Decreto 59.263/2013) consolidaram procedimentos administrativos e a lista de responsáveis. Diante desse cenário, a prevenção, a due diligence e a documentação técnica e contratual adequada são ferramentas essenciais para empresas e investidores que queiram mitigar riscos. Por fim, embora contratos privados sejam importantes, não dispõem o poder público de exigir reparação; a responsabilidade ambiental tem dimensão pública e ordem pública, o que exige cautela máxima ao lidar com imóveis e empreendimentos potencialmente contaminantes. Assembleia Legislativa de São Paulo+1

Referências bibliográficas (seleção)

  • BRASIL. Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Presidência da República (Planalto). Planalto

  • CONAMA. Resolução nº 420, de 28 de dezembro de 2009. Dispõe sobre critérios e valores orientadores de qualidade do solo e estabelece diretrizes para gerenciamento de áreas contaminadas. Ministério do Meio Ambiente / CONAMA. CETESB

  • SÃO PAULO (Estado). Lei Estadual n.º 13.577/2009 — Proteção da Qualidade do Solo e Gerenciamento de Áreas Contaminadas. Decreto Estadual nº 59.263/2013 (regulamentação). Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo / Governo do Estado de São Paulo. FIESP+1

  • CETESB — Seção “Áreas Contaminadas” (orientações e procedimentos do órgão estadual). CETESB — Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. CETESB

  • Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial nº 1.363.107 (tema sobre responsabilidade civil por dano ambiental; jurisprudência do STJ). STJ — publicações e informativos sobre responsabilidade por dano ambiental (Jurisp. em Teses; informativos 2024–2025). Superior Tribunal de Justiça+1

  • Documentos técnicos e guias setoriais: publicações da FIESP sobre áreas contaminadas; material sobre resíduos e responsabilidade (ex.: compilados de jurisprudência do MPs e Tribunais estaduais).