PFAS (Per- and PolyfluoroAlkyl Substances)

O que são, por que são chamados de “forever chemicals” e por que preocupam

Mário Marcelino, Dr.

10/3/20257 min read

PFAS — o que são, por que são chamados de “forever chemicals” e por que preocupam

O que são PFAS

PFAS (per- and polyfluoroalkyl substances) são uma família muito grande de compostos orgânicos sintéticos que compartilham ligações carbono-fluoreto (C–F) em sua estrutura. Essas ligações dão às moléculas propriedades únicas — repelência à água e a óleos, estabilidade térmica e química — que as tornaram úteis em centenas de aplicações industriais e de consumo desde meados do século XX. Entre os compostos mais conhecidos estão o PFOA e o PFOS, hoje regulados em várias jurisdições.

Usos e aplicações

PFAS foram amplamente usados porque conferem superfície antiaderente, resistência a manchas, impermeabilidade e durabilidade. Exemplos de aplicações:

  • Espumas de combate a incêndio (AFFF — usadas em aeroportos, bases militares).

  • Tecidos e couro (acabamentos resistentes a manchas e água).

  • Embalagens alimentares e revestimentos antiaderentes (panelas “Teflon”, papéis parafasto).

  • Tratamentos em carpetes, tintas, e lubrificantes.

  • Componentes industriais e eletrônicos.


    Essa variedade de usos explica por que PFAS se tornaram ubiquamente distribuídos no ambiente.

Principais características que tornam PFAS persistentes

A persistência dos PFAS decorre de propriedades químicas e físicas:

  • Força da ligação C–F: é uma das mais fortes da química orgânica, o que dificulta a quebra por rotas biológicas, químicas ou fotoquímicas.

  • Estabilidade térmica e química: resistem a temperatura, pH e agentes oxidantes comuns.

  • Mobilidade (dependente da estrutura): PFAS de cadeia curta tendem a ser mais hidrossolúveis e móveis em água; PFAS de cadeia longa tendem a sorver em sedimentos e tecidos.


    Como consequência, PFAS podem permanecer décadas no solo, na água e em organismos — daí o apelido em inglês “forever chemicals”.

Como e por que se espalharam pelo mundo

As rotas principais de dispersão incluem:

  • Descargas industriais e emissões durante fabricação e uso de produtos;

  • Vazamento e uso de AFFF em lixiviados e encostas de áreas de treino/combate a incêndio;

  • Efluentes domésticos e industriais (muitos tratamentos de esgoto convencionais removem apenas parte dos PFAS);

  • Lixiviação de aterros e de embalagens;

  • Transporte pela água e atmosfera (PFAS de cadeia curta podem viajar na coluna d’água e pela chuva);

  • Bioacumulação e biomagnificação em algumas cadeias tróficas.


    Esses processos explicam detecções em regiões remotas, gelo polar e em populações humanas distantes de fontes industriais.

Onde são encontrados — o mapa global de contaminação e a dificuldade do mapeamento

PFAS já foram detectados em água superficial e subterrânea, sedimentos, solo, ar, biota aquática e terrestre, alimentos, leite materno e em amostras humanas. No entanto, mapear sua distribuição com precisão é difícil por várias razões:

  1. Familia grande e em expansão: existem milhares de compostos PFAS (e muitos substitutos não classificados), então análises direcionadas a um conjunto limitado (p.ex. 20-30 moléculas) deixam “organofluorados desconhecidos” sem identificar.

  2. Precursores não detectados: muitos compostos não aparecem em métodos direcionados, mas se convertem (bioticamente/abioticamente) em ácidos perfluoroalquil (PFAAs) ao longo do tempo. O topo-assay (TOP assay) converte precursores oxidáveis em PFAAs para avaliação, mas tem limitações e exige padronização.

  3. Necessidade de técnicas complementares: abordagens de massa-específica (LC-MS/MS), análises de extractable organofluorine (EOF/TOF), e triagem de alto-desempenho (HRMS) são complementares; mesmo assim, estudos mostram que a fração não explicada (organofluorados desconhecidos) pode ser grande.

  4. Limites analíticos e padronização: limites de quantificação variam e há falta de padronização global para “somas” de PFAS, o que complica comparações.

Impactos no ambiente e na saúde humana

Ambientes e ecossistemas

  • Efeitos em organismos aquáticos e terrestres: toxicidade aguda e crônica, alterações reprodutivas, imunotoxicidade e efeitos de desenvolvimento foram documentados para vários organismos. Alguns PFAS se biomagnificam em predadores.

Saúde humana — o que a evidência mostra

A literatura epidemiológica e toxicológica relaciona exposição a certos PFAS a múltiplos efeitos adversos, incluindo:

  • Aumentos de colesterol e doenças cardiovasculares (estudos populacionais em áreas com água contaminada encontraram associações).

  • Risco aumentado de certos cânceres em algumas coortes (ex.: rins, testículo) e efeitos sobre o fígado e função renal.

  • Efeitos no desenvolvimento: redução de respostas vacinais, efeitos sobre crescimento infantil, efeitos sobre a função endócrina e potencial impacto em fertilidade.


    Importante: algumas evidências vêm de estudos observacionais com limitações (confundimento, exposições passadas, coexposição a múltiplos PFAS). Organismos internacionais (WHO/UNEP) recomendam reduzir exposições e conduzir mais estudos longitudinais para confirmar causalidade e quantificar riscos.

Diagnóstico e métodos emergentes de detecção

Ferramentas e avanços recentes incluem:

  • Análises direcionadas por LC-MS/MS para um painel de PFAS conhecidos (padrão atual de rotina).

  • High-resolution mass spectrometry (HRMS) e workflows não direcionados para “descobrir” PFAS desconhecidos.

  • Assays de massa de flúor (EOF/TOF, combustão-IC) para quantificar a carga total de organofluoretos e comparar com o total detectado por métodos direcionados (método de balanceamento de massa). Isso revela frações “não detectadas” que indicam a presença de PFAS não-alvo.

  • Total Oxidizable Precursor (TOP) Assay: oxida precursores para convertê-los em PFAAs mensuráveis, estimando a carga de precursores. Útil em investigações de locais impactados por AFFF e outros matrizes.

Essas técnicas combinadas melhoram a detecção, mas são caras, complexas e exigem laboratórios altamente especializados — por isso o mapeamento amplo ainda é um desafio.

Normas e valores de referência (exemplos internacionais)

As normas variam por país/região — algumas referências recentes e representativas:

  • União Europeia (Diretiva da Água Potável recast): estabelece parâmetros para “PFAS Total” e “Sum of PFAS” (limites — PFAS Total 0,5 µg/L e soma de 20 PFAS 0,1 µg/L), com prazos de conformidade para os Estados-Membros até 12 de janeiro de 2026.

  • Estados Unidos (EPA): em 2024/2025 a EPA avançou com normas nacionais (MCL) específicas para PFOA e PFOS — valores na ordem de poucos ng/L (p. ex. 4 ng/L para PFOA e PFOS em regras recentes), além de programa de monitoramento e financiamento para tratamento. Consulte o texto oficial para detalhes e cronogramas.

  • Organizações internacionais (WHO, UNEP): recomendam minimizar exposições e encorajam políticas para eliminar usos não essenciais; a WHO publica revisões e recomendações sobre PFOA/PFOS em água potável.

Observação: os valores numéricos e regulatórios evoluem rapidamente — para projetos práticos é crucial consultar diretamente as normas nacionais e os textos oficiais mais recentes.

Tratamento e remediação — desafios técnicos

Destruir PFAS (quebrar ligações C–F) é tecnologicamente exigente. Abordagens em uso/estudo:

  • Adsorventes (carvão ativado, resinas iônicas) para remoção em sistemas de água — efetivos para muitos PFAS, mas geram concentrados residuais.

  • Processos avançados (oxidativos, foto-oxidativos, eletroquímicos, plasma) para degradação; alguns mostram potencial para de-fluoração, mas frequentemente com custos energéticos altos e formação de subprodutos. Pesquisas recentes em eletro-oxidação, plasma e anodos avançados mostram resultados promissores em escala laboratorial.

  • Gestão de resíduos concentrados: soluções seguras para a disposição dos lodos/resinas saturadas ainda são área de pesquisa e regulamentação.

Importância dos estudos hidrogeológicos e situação técnica/legal no Brasil

  • Por que estudos hidrogeológicos são essenciais: PFAS podem contaminar lençóis freáticos devido à sua mobilidade (especialmente cadeias curtas) e persistência; entender fluxo de água subterrânea, zonas de recarga, presença de poços de abastecimento e caminhos preferenciais é fundamental para avaliar riscos à água potável e planejar medidas de mitigação e remediação.

    Estudos hidrogeológicos permitem delimitar plumas de contaminação, priorizar monitoramento e dimensionar sistemas de correção (p. ex. poços de interceptação, barreiras reativas).

  • Situação técnica e legal no Brasil: o Brasil vem avançando no debate regulatório. Existe o PL 2726/2023 (Câmara dos Deputados) que propõe instituir uma política nacional de controle dos PFAS, em tramitação e aguardando deliberação em comissões; iniciativas de ANVISA e discussões regulatórias sobre materiais em contato com alimentos também indicam movimento técnico-jurídico.

    Contudo, até o momento (consultas recentes) não havia um padrão federal consolidado de limites de PFAS em água potável equiparável ao que a UE ou EPA têm formalizado — por isso há esforço legislativo e técnico para preencher essa lacuna.

    Para projetos no Brasil, é essencial acompanhar a tramitação do PL e as resoluções técnicas da ANVISA, IBAMA, e órgãos estaduais de Saneamento e Meio Ambiente.

Preocupações, lacunas e recomendações de pesquisa / política

  1. Abordagem de grupo vs. substância individual: especialistas pedem limiares que considerem somas de PFAS ou abordagens por família química, pois focar só em PFOA/PFOS deixa lacunas regulatórias. Há debate (e controvérsia) sobre definições e escopo regulatório.

  2. Melhor monitoramento e padronização analítica: promover laboratórios capacitados, protocolos padronizados (TOP assay, EOF, HRMS) e censos de área-amostra para mapear plumas.

  3. Substituição e prevenção: eliminar usos não essenciais, controlar importação/uso de AFFF, incentivar design de produtos sem PFAS.

  4. Remediação e tecnologia: investir em P&D para tecnologias seguras e viáveis de destruição e para gestão de concentrados.

  5. Estudos epidemiológicos: maior apoio a estudos longitudinais e coortes em populações expostas para quantificar riscos a longo prazo.

Referências principais (selecionadas — leitura recomendada)

  • UNEP — Per- and Polyfluoroalkyl Substances (PFASs). UNEP - UN Environment Programme

  • WHO — PFOS and PFOA in Drinking-water: background and guidance. Organização Mundial da Saúde

  • US EPA — Per- and Polyfluoroalkyl Substances (PFAS) pages and Federal Register (National Primary Drinking Water Regulation). US EPA+1

  • European Commission / Drinking Water Directive (recast) — PFAS Total and Sum of PFAS parameters. Environment+1

  • Nature / reviews on PFAS persistence and treatment challenges (revisões 2024). Nature+1

  • Kurwadkar et al., Science of the Total Environment (revisão sobre PFAS em água e efluentes). Science Direct

  • Artigos e guias sobre métodos analíticos: TOP assay (EPA / artigos revisados), EOF/TOF e HRMS (diversos artigos 2023–2025). PMC+2American Chemical Society Publications+2

  • Câmara dos Deputados — Projeto de Lei PL 2726/2023 (Brasil).