Mineração de areia - Parte V, Final

O conflito da mineração com a urbanização e o desenvolvimento sustentável

Mário Marcelino

8/2/20253 min read

A mineração em áreas próximas aos grandes centros urbanos tem como foco principal a extração de matérias-primas voltadas à construção civil, com destaque para a areia, objeto desta série de artigos, que agora se encerra.

Muitas dessas minas foram instaladas nos primeiros estágios de urbanização, nas décadas de 1930 e 1940. No caso específico da areia, há registros de extração desde o início do século XX.

É importante destacar algumas particularidades da atividade minerária, especialmente quando comparada a outros setores produtivos. A principal delas é sua rigidez locacional: os empreendimentos de mineração só podem ser instalados onde há jazidas viáveis do ponto de vista econômico. Ou seja, ao contrário da indústria e do comércio, que podem ser deslocados conforme estratégias logísticas ou de mercado, a mineração está inexoravelmente vinculada às condições geológicas locais.

Outro aspecto marcante é seu caráter dinâmico, já que os impactos ambientais variam ao longo do tempo, dependendo das características físico-químicas do minério, das tecnologias empregadas nos processos de lavra e beneficiamento, de possíveis alterações no plano de lavra, decorrentes de mudanças no mercado, e da própria evolução física da mina à medida que as frentes de lavra avançam (SILVA et al., 1993).

Paradoxalmente, a urbanização — que é beneficiada pela mineração por meio do fornecimento de agregados — acaba sendo a principal força que compromete a continuidade dessa atividade. Isso ocorre à medida que o tecido urbano se expande e se aproxima das áreas de extração, criando um ambiente de conflito: de um lado, moradores que sofrem com os impactos da atividade mineral vizinha; de outro, mineradoras que veem suas operações limitadas ou inviabilizadas pela legislação urbana e pela pressão social.

O enfrentamento desse conflito demanda uma compreensão integrada do processo de expansão urbana, das condições geológicas e da vocação territorial do município. Um planejamento urbano adequado, aliado à formulação de políticas públicas eficazes, deve prever áreas destinadas à mineração — os chamados distritos minerários — com o objetivo de preservar o acesso aos depósitos minerais e evitar sua esterilização pelo avanço desordenado da urbanização (SILVA et al., 1993, p. 354-355).

Os impactos ambientais da mineração, em qualquer de suas fases, também dificultam a instalação de novos empreendimentos. A atividade frequentemente compete por espaço com a agricultura e a expansão urbana, sendo empurrada para regiões mais distantes. Entre os principais impactos negativos, destacam-se: escavações e alteração da paisagem, supressão do solo superficial, formação de cavas, instabilidade de terrenos, alteração de cursos d'água e dos lençóis freáticos, emissão de partículas, ruídos, vibrações, gases, além da geração de pilhas de estéreis e rejeitos.

Esse deslocamento das áreas de mineração gera impactos econômicos significativos para os centros urbanos. Isso se deve ao baixo valor unitário dos agregados, que faz com que o transporte represente até 2/3 do custo final do produto. A dependência da malha rodoviária — cara e ambientalmente ineficiente — agrava ainda mais esse cenário. Portanto, é fundamental que a produção ocorra o mais próximo possível dos mercados consumidores.

Dessa forma, é essencial reconhecer a mineração como uma forma legítima de uso e ocupação do solo. Ela deve ser integrada ao planejamento urbano para que haja compatibilização entre os diferentes usos do território e uma melhor racionalização do aproveitamento dos recursos minerais.

Nesse contexto, ganha relevância o conceito de sustentabilidade na mineração, especialmente diante do iminente esgotamento de jazidas de recursos não renováveis nas proximidades dos centros urbanos — como a areia de fundo de rio, o seixo rolado, o cascalho laterítico, rochas ígneas e calcárias. A exploração sustentável requer compatibilização com o uso do solo urbano e uma nova abordagem sobre o ciclo de vida dos materiais.

Entre as estratégias sustentáveis está o reaproveitamento de resíduos da construção civil. Nos Estados Unidos, a reciclagem de entulho para produzir agregados alternativos ocorre há mais de 50 anos. Na Holanda, cerca de 70% dos resíduos de construção são reciclados, com mais de 40 usinas especializadas nesse processo.

Considerando que os agregados naturais são recursos finitos e que a disposição inadequada dos resíduos da construção civil acarreta custos econômicos, sociais e ambientais, a reciclagem se mostra uma alternativa viável e estratégica, tanto sob o ponto de vista da sustentabilidade quanto da eficiência econômica.

Por fim, a imagem negativa da mineração, muitas vezes associada à destruição da paisagem, também dificulta a integração da atividade com o tecido urbano. No entanto, há uma perspectiva mais moderna e positiva que encara a mineração como uma oportunidade de reconfiguração do espaço urbano, podendo inclusive gerar paisagens mais funcionais e interessantes do que as originais, desde que haja planejamento e recuperação ambiental. A premissa é clara: a mineração não destrói o solo — ela o transforma.