Legislação e Responsabilidade Ambiental em Áreas Contaminadas

histórico e aspectos legais a considerar sobre área contaminada

Mário Marcelino, Dr.

9/15/20254 min read

Legislação e Responsabilidade Ambiental em Áreas Contaminadas

A questão das áreas contaminadas é um dos pontos mais sensíveis da legislação ambiental, pois envolve não apenas a preservação do meio ambiente, mas também a saúde pública, o planejamento urbano e os interesses econômicos. O Brasil dispõe de um arcabouço jurídico robusto que, ao longo da história, vem sendo aprimorado para lidar com esses desafios.

Breve histórico da legislação ambiental no Brasil

A preocupação jurídica com a proteção ambiental no país remonta ao período colonial. Em 1605 foi publicado o Regimento do Pau-Brasil, voltado à proteção das florestas exploradas pela Coroa. Em 1797, a Carta Régia estabeleceu proteção a rios, nascentes e encostas, reconhecendo-os como bens da Coroa. Já em 1850, a Lei de Terras (Lei nº 601/1850) disciplinou a ocupação do solo e previu sanções para atividades predatórias.

A grande virada, no entanto, ocorreu com a Constituição Federal de 1988, que reconheceu, no artigo 225, o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à qualidade de vida. Esse artigo atribuiu ao poder público e à coletividade o dever de preservá-lo e instituiu a responsabilização dos causadores de danos, inclusive de forma independente de culpa.

Arcabouço jurídico nacional

O eixo principal da legislação ambiental brasileira está na Lei 6.938/1981, que criou a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Essa lei definiu conceitos-chave como poluição, degradação ambiental e poluidor, além de estabelecer o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). O artigo 14 da PNMA introduziu o conceito de responsabilidade objetiva, pelo qual o causador do dano ambiental deve indenizar ou reparar o prejuízo, ainda que não tenha agido com dolo ou culpa.

Em complemento, a Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) e o Decreto 6.514/2008 tipificam crimes e infrações administrativas, estabelecendo sanções que vão de advertências e multas até restrições de direitos e penas de reclusão. A Resolução CONAMA 420/2009, por sua vez, trouxe critérios e valores orientadores para qualidade do solo e diretrizes específicas para gerenciamento de áreas contaminadas.

A legislação brasileira adota também os princípios da prevenção e precaução (agir antes que o dano ocorra ou se agrave), do poluidor-pagador (quem causa arca com os custos) e da reparação integral, ainda que, na prática, muitas vezes a recuperação total do meio ambiente seja impossível.

Arcabouço jurídico em São Paulo

O Estado de São Paulo é considerado pioneiro no tratamento legal das áreas contaminadas. Sua Política Estadual do Meio Ambiente (Lei 9.509/1997) já estabelecia diretrizes de prevenção, recuperação e responsabilização.

O grande marco, contudo, foi a Lei Estadual 13.577/2009, regulamentada pelo Decreto 59.263/2013 e complementada por normas técnicas da CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Essa legislação:

  • Define o que é área contaminada;

  • Obriga a identificação, investigação e remediação;

  • Determina o cadastramento oficial de áreas suspeitas e contaminadas;

  • Estabelece responsabilidade solidária entre causadores da poluição, sucessores, proprietários, superficiários, possuidores e até beneficiários indiretos.

Em casos de descumprimento das medidas exigidas, a legislação prevê penalidades administrativas como advertências, multas, embargo de atividades, até demolição e suspensão de incentivos fiscais.

Cabe destacar que, atualmente, há discussões jurídicas no Estado sobre os limites da aplicação da análise de risco toxicológico (ARtx) adotada pela CETESB, frente ao entendimento do Ministério Público, que defende a obrigatoriedade de remediação integral da área, com base no princípio constitucional do “meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

Dano ambiental e a tríplice responsabilização

A legislação brasileira considera o dano ambiental como qualquer alteração adversa das características do meio ambiente, incluindo prejuízos diretos ao equilíbrio ecológico e indiretos à coletividade.

Para garantir reparação e punição, adota-se a chamada tríplice responsabilização:

  1. Responsabilidade civil (Lei 6.938/81) – obrigação de reparar ou indenizar, de forma objetiva, independentemente de culpa.

  2. Responsabilidade administrativa – aplicação de multas, embargos e sanções pelos órgãos ambientais.

  3. Responsabilidade penal (Lei 9.605/98) – aplicada a pessoas físicas e jurídicas, exigindo comprovação de dolo ou culpa.

Áreas contaminadas e o passivo ambiental nas transações imobiliárias

Um ponto crucial é que a responsabilidade pelo passivo ambiental não se restringe ao causador original da contaminação. A lei brasileira estabelece que o adquirente de um imóvel contaminado herda também a obrigação de remediar o dano.

Isso significa que, em negociações envolvendo terrenos industriais ou urbanos, é fundamental a realização de uma due diligence ambiental – levantamento histórico de usos do imóvel, investigações de solo e águas subterrâneas, e consulta a cadastros oficiais como o da CETESB em São Paulo. Essa prática é essencial para evitar que compradores sejam surpreendidos com obrigações de remediação que podem envolver altos custos financeiros, litígios judiciais e perda de valor do ativo.

Considerações finais

O gerenciamento de áreas contaminadas no Brasil combina normas federais e estaduais, com São Paulo em posição de liderança regulatória e técnica. A legislação adota a responsabilidade objetiva e solidária, o que exige atenção redobrada de empresas, investidores e gestores públicos.

Mais do que atender a um requisito legal, avaliar e remediar passivos ambientais é um passo estratégico para reduzir riscos, proteger a sociedade e assegurar segurança jurídica. O fortalecimento da cultura de prevenção e de responsabilidade socioambiental é, portanto, condição indispensável para o desenvolvimento sustentável e para evitar a repetição dos erros do passado.