Hidrogeologia ambiental
Áreas contaminadas e o papel do hidrogeólogo no gerenciamento urbano e imobiliário
Mário Marcelino, Dr.
9/25/20256 min read


Hidrogeologia Ambiental, Áreas Contaminadas e o Papel do Hidrogeólogo no Gerenciamento Urbano e Imobiliário
A hidrogeologia ambiental é um ramo aplicado da geociência que estuda as interações entre a água subterrânea, o solo e as atividades humanas, com foco na prevenção, diagnóstico e remediação de impactos ambientais. A água subterrânea é um dos recursos naturais mais importantes para a manutenção da vida, representando a principal fonte de abastecimento de inúmeras cidades e populações rurais. No entanto, quando contaminada, torna-se vetor de riscos à saúde humana, ao equilíbrio ecológico e ao desenvolvimento urbano sustentável. Nesse cenário, o papel do hidrogeólogo assume caráter estratégico, uma vez que esse profissional é responsável por investigar os aquíferos, caracterizar as plumas de contaminação, avaliar riscos e propor soluções técnicas de mitigação e remediação.
Áreas Contaminadas e Riscos Associados
Define-se área contaminada como aquele local onde há presença comprovada de substâncias químicas em concentrações que podem causar danos à saúde humana, à qualidade da água subterrânea, ao solo e aos ecossistemas. Quando tais substâncias alcançam o lençol freático, formam-se as chamadas águas subterrâneas contaminadas. Essa contaminação pode ocorrer por diversos mecanismos de infiltração, como a percolação de líquidos provenientes de vazamentos de tanques de combustíveis, disposição inadequada de resíduos sólidos, infiltração de efluentes industriais ou agrícolas, ou mesmo por acidentes envolvendo transporte e armazenamento de produtos químicos.
Os contaminantes, ao atingirem o solo, podem migrar por meio da água de infiltração e, dependendo de suas propriedades físico-químicas, serem transportados em fase dissolvida, adsorvidos em partículas do solo ou ainda na forma de vapores que atingem edificações. Entre os principais contaminantes urbanos estão os hidrocarbonetos de petróleo, solventes clorados, metais pesados, pesticidas, fertilizantes e resíduos industriais diversos. Uma vez presentes no subsolo, esses compostos podem persistir por longos períodos, devido à baixa degradação natural, e alcançar poços de abastecimento, rios subterrâneos ou emergir em áreas de nascentes.
Os riscos associados são múltiplos. Para a saúde humana, destacam-se a ingestão direta de água contaminada, o contato dérmico com solo poluído e a inalação de vapores em ambientes construídos. Já no âmbito ambiental, a contaminação compromete ecossistemas aquáticos, reduz a biodiversidade e altera o equilíbrio químico dos solos. Em áreas urbanas, o problema adquire dimensão ainda maior: compromete o abastecimento público, reduz o valor imobiliário, aumenta custos de infraestrutura e gera conflitos sociais e jurídicos.
Fontes de Contaminação Urbana e Rural
Nas áreas urbanas, as principais fontes de contaminação incluem postos de combustíveis, indústrias desativadas ou em operação, áreas de disposição de resíduos sólidos urbanos, redes de esgoto precárias e atividades comerciais que manipulam substâncias químicas. Já em áreas rurais, destacam-se o uso excessivo de fertilizantes e agrotóxicos, a pecuária intensiva com a lixiviação de dejetos, a mineração e a irrigação inadequada que promove a salinização do solo. Em ambos os contextos, a infiltração de contaminantes no solo ocorre de forma difusa ou pontual, alcançando os aquíferos e dificultando a gestão e remediação.
Compra e Venda de Áreas Contaminadas: Aspectos Jurídicos e Técnicos
No Brasil, a legislação ambiental consolidou o princípio da responsabilidade objetiva e solidária para danos ambientais. Isso significa que qualquer indivíduo ou empresa, ao adquirir um imóvel, assume também as responsabilidades sobre os passivos ambientais existentes, independentemente de ter sido ou não o causador da poluição. A Constituição Federal (art. 225, § 3º), a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) e a Resolução CONAMA nº 420/2009 são os principais marcos legais que regem o tema. Em São Paulo, destaca-se ainda a Lei Estadual nº 13.577/2009, que impõe procedimentos específicos para identificação, investigação e remediação de áreas contaminadas, sob fiscalização da CETESB.
Dentro desse contexto, a due diligence ambiental tornou-se uma prática indispensável em negociações imobiliárias. Trata-se de um processo de auditoria técnica e documental que busca identificar riscos ambientais antes da compra, venda ou incorporação de um imóvel. A due diligence abrange o levantamento histórico de usos da área, a análise de licenças e autos de infração, a realização de vistorias de campo, a coleta e análise de amostras ambientais e a avaliação de riscos à saúde humana e ao meio ambiente. Esse processo é conduzido por equipes multidisciplinares, geralmente formadas por geólogos, engenheiros ambientais, hidrogeólogos e advogados especializados.
A ausência de due diligence ambiental pode gerar consequências severas, como a obrigação de realizar investigações e remediações caras, a responsabilização em ações civis públicas, o impedimento de licenciamento e o comprometimento da reputação da empresa ou investidor. Casos emblemáticos no Brasil mostram condomínios construídos sobre antigas áreas industriais que, anos depois, foram interditados por apresentarem solo e água subterrânea contaminados. Isso ilustra a gravidade do risco quando não há avaliação prévia adequada.
Brownfields, Economia Circular e Revitalização Urbana
Um conceito central no debate sobre áreas contaminadas é o de brownfields, que se refere a terrenos urbanos degradados, subutilizados ou abandonados em função da contaminação oriunda de atividades industriais ou comerciais passadas. Esses espaços contrastam com os chamados projetos greenfield, que ocorrem em áreas ainda não utilizadas e ambientalmente intactas. A reabilitação de brownfields é estratégica para o desenvolvimento sustentável, pois reduz a pressão sobre áreas verdes, promove a economia circular e reintegra regiões urbanas ao tecido social e econômico.
O reaproveitamento de brownfields envolve um conjunto de técnicas de remediação ambiental. Entre elas, destacam-se a remoção de solo contaminado, a biorremediação por micro-organismos, a fitorremediação com plantas, a oxidação química, a estabilização de metais pesados e o uso de tecnologias in situ, como extração de vapores do solo e barreiras reativas. Mais recentemente, soluções baseadas na natureza vêm sendo integradas, utilizando vegetação, corpos d’água e superfícies permeáveis como parte da remediação e da revitalização urbana. Estudos indicam que essas soluções podem gerar benefícios econômicos, sociais e ambientais expressivos.
Experiências internacionais, como as de Ansonia e Shelton, nos Estados Unidos, mostram como investimentos públicos e privados podem transformar antigos passivos ambientais em polos de desenvolvimento urbano e energético. No Brasil, a revitalização de locais como o antigo Incinerador de Pinheiros, em São Paulo, evidencia o potencial de transformar áreas degradadas em espaços de lazer e convivência comunitária.
Valoração de Áreas Contaminadas e a Metodologia EBIC
A valoração econômica de áreas contaminadas representa um desafio técnico, pois envolve não apenas o valor de mercado do imóvel, mas também os custos de investigação, remediação e monitoramento, além das restrições de uso durante e após o processo. A norma brasileira ABNT NBR 14653 fornece diretrizes para avaliação de imóveis, considerando métodos comparativos de mercado, renda e custo de reprodução, mas para áreas contaminadas é indispensável descontar os passivos ambientais associados.
Nesse contexto, destaca-se a metodologia EBIC (Estimativa Baseada na Investigação Confirmatória), desenvolvida por Mário Marcelino. Esse modelo inovador integra informações históricas, hidrogeológicas e estatísticas para antecipar os custos e prazos da remediação de áreas contaminadas. A EBIC permite estimar o número de poços e sondagens necessários, a tecnologia de remediação mais adequada e os prazos médios de tratamento, oferecendo fluxogramas de decisão que auxiliam empresas, investidores e órgãos públicos no planejamento. Estudos apontam que a aplicação da metodologia permite reduzir custos imprevistos, minimizar riscos de aquisição e tornar mais precisa a valoração econômica de brownfields.
Considerações Finais
A hidrogeologia ambiental é um campo essencial para a gestão sustentável das cidades e para a proteção dos recursos hídricos subterrâneos. O hidrogeólogo desempenha um papel crucial ao diagnosticar, monitorar e propor soluções para a contaminação do solo e da água subterrânea. Em paralelo, o mercado imobiliário precisa se adaptar à realidade das áreas contaminadas, incorporando práticas de due diligence, valoração adequada e aplicação de metodologias como a EBIC.
A revitalização de brownfields e a reabilitação de áreas contaminadas não apenas reduzem riscos ambientais e à saúde, mas também oferecem oportunidades de desenvolvimento urbano alinhadas aos princípios da economia circular. Assim, transformar passivos ambientais em ativos urbanos deve ser visto não como um custo inevitável, mas como um investimento em cidades mais seguras, resilientes e sustentáveis.
Sustentabilidade
Consultoria ambiental com foco em desenvolvimento sustentável.
CONTATO
contato@frevo.eco.br
+55 (11) 98305-0121
© 2025. All rights reserved.