Guerra: Impacto ambiental nos conflitos - petróleo

Os impactos ambientais decorrentes do afundamento de petroleiros em conflitos armados

Mário Marcelino, Dr.

12/1/20255 min read

1) Introdução — o tema e histórico de grandes contaminações por conflitos

Guerra e petróleo formam uma combinação que tem deixado marcas ambientais profundas: durante ações militares os campos petrolíferos, oleodutos, terminais e navios tornam-se alvos — por sabotagem deliberada, fogo, ataques diretos ou afundamentos — com liberação maciça de hidrocarbonetos para solos, mangues e mares.

O exemplo mais estudado é a Guerra do Golfo (1990–1991), quando poços e instalações foram saboteados e estimativas de despejo direto ao mar e à terra variam em milhões de barris; o evento gerou lacunas ecológicas, solos contaminados (formação de “oil lakes” e “tarcrete”) e impactos duradouros na região. Estas lições mostraram que conflitos podem provocar os maiores desastres ambientais antropogênicos já registados.

2) Aspectos técnicos — o que é petróleo, sua composição, toxicidade e comportamento no ambiente marinho

Petróleo bruto é uma mistura complexa de hidrocarbonetos (alifáticos, aromáticos) e compostos contendo enxofre, nitrogênio e metais traço. Entre os constituintes mais preocupantes estão os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs), muitos dos quais são carcinogénicos ou mutagénicos e persistem no ambiente.

Quando o petróleo entra no mar, diversos processos físicos e químicos — evaporação, dispersão, emulsificação (formação de “maionesa” óleo-água), dissolução, fotodegradação e eventual sedimentação — alteram a sua composição com o tempo (processo agregado chamado weathering). A velocidade e a forma desses processos dependem do tipo de petróleo (óleo leve evapora muito; óleos pesados, como mazut, persistem e tendem a afundar) e das condições ambientais (temperatura, ondas, salinidade).

Do ponto de vista toxicológico, os riscos mais sérios para ecossistemas e humanos estão relacionados a:

  • Ingestão e bioacumulação: espécies filtradoras e bentónicas (mexilhões, crustáceos, peixes demersais) podem acumular PAHs nos tecidos, entrando na cadeia alimentar.

  • Efeitos agudos e crónicos: mortalidade imediata de aves e mamíferos por sufocamento/hipotermia (revestimento de penas), toxicidade em peixes (problemas reprodutivos e larvais) e efeitos crónicos por exposição a baixas doses (cãncer, enfraquecimento imunológico).

  • Segurança alimentar: autoridades de saúde pública (protocolos NOAA/FDA, por exemplo) baseiam o reabertura de áreas de pesca em testes químicos para PAHs e em avaliação sensorial, pois o perigo persiste mesmo quando o odor diminui.

3) Grandes derrames marinhos associados a conflitos e ataques a embarcações

A história recente traz exemplos claros de como os combates e ações hostis causam derrames maciços:

  • Guerra do Golfo (1991) — evasão, incêndio e sabotagem de instalações e poços, com estimativas de milhões de barris lançados na costa e no mar, além de grandes “lagos” de petróleo em terra; danos ambientais persistentes e limpezas complexas foram necessárias.

  • Ataques e riscos no Mar Negro/Kerch (Dezembro de 2024) — a quebra e afundamento de navios-tanque (ex.: Volgoneft-212) traslada milhares de toneladas de combustível pesado para zonas costeiras, com manchas que atingiram praias e zonas de maior sensibilidade. Esses acidentes em áreas de conflito e de tráfego vinculado à guerra geraram derrames com potencial de consequências de longo prazo.

  • Red Sea / MT Sounion (agosto 2024) — ataque e incêndio num petroleiro que carregava centenas de milhares de barris levantou o alerta de potencial catástrofe no Corredor do Mar Vermelho; operações internacionais de salvamento e contenção foram mobilizadas para evitar um derrame de magnitude muito maior. A operação contou com apoio técnico e científico internacional para mitigar risco ambiental.

  • Outras ocorrências: incidentes documentados em zonas de conflito (vazamentos de navios atingidos, sabotagem de oleodutos, explosões em terminais) repetem-se ao redor de teatros de guerra, e relatórios de ONG e organizações regionais confirmam perdas de combustível e contaminação costeira.

Além desses casos associados diretamente a hostilidades, há também o problema crescente dos chamados “shadow fleets” (frotas obscuras) usadas para contornar sanções e trafegar petróleo em condições precárias: navios velhos, mal documentados e operando em zonas de risco aumentam a probabilidade de acidentes que culminam em derrames.

4) Processos de recuperação e impactos socioecológicos

Recuperar áreas afetadas por derrames de guerra é logisticamente e tecnicamente mais difícil do que em acidentes civis: insegurança, áreas ocupadas, falta de acesso e prioridades militares retardam a resposta.

As técnicas clássicas incluem contenção com boias/boom, recolha mecânica, skimmers, uso controlado de dispersantes e — em litorais — varrição manual e naturalização de substratos; em terra, biorremediação (micro-organismos degradadores) foi aplicada em casos como os “oil lakes” do Kuwait. A escolha técnica depende do tipo de óleo e da sensibilidade da área.

Impactos socioeconômicos e ecológicos concretos:

  • Queda nas populações de fauna marinha: aves, peixes, tartarugas e mamíferos marinhos sofrem mortalidade direta e sofrimentos crónicos (redução de reprodução, deformidades larvais).

  • Contaminação do alimento: bivalves e peixes comerciais podem acumular PAHs, obrigando ao fechamento temporário de zonas de pesca e provocando perdas de renda e insegurança alimentar. Protocolos oficiais (NOAA/FDA, agências nacionais) determinam quando áreas podem reabrir, com base em análises químicas e epidemiológicas.

  • Sujeira nas praias e economia costeira: praias, turismo, pesca artesanal e infraestrutura portuária sofrem impactos económicos imediatos e de longo prazo; a limpeza é cara e, muitas vezes, incompleta — e zonas sensíveis (estuários, mangues, zonas intertidais) podem demorar décadas a recuperar.

  • Limitações políticas e logísticas: em zonas de conflito, equipes de resposta não conseguem aceder com segurança; infraestrutura destruída impede medidas de contenção e reabilitação, e a prioridade política frequentemente não está na proteção ambiental.

5) Conclusão crítica — o meio ambiente como vítima esquecida

A soma das evidências é clara: o ambiente — especialmente o mar e as comunidades costeiras dependentes dele — é uma vítima colateral e por vezes deliberada da guerra. Derrames relacionados a conflitos tendem a ser maiores, mais persistentes e mais difíceis de remediar devido à insegurança, sabotagem deliberada e à utilização de navios e infraestruturas envelhecidas ou clandestinas.

Apesar disso, a mobilização pública e os protestos ambientais frequentemente ficam aquém do necessário para forçar respostas internacionais eficazes; as atenções acabam concentradas em vítimas humanas e em questões geopolíticas imediatas, enquanto impactos ecológicos se acumulam silenciosamente e se traduzem em perdas de serviços ecossistêmicos, renda e saúde pública ao longo de anos ou décadas.

O quadro exige três linhas de ação combinadas:

  1. Prevenção e proteção jurídica — reforço de normas internacionais que protejam infraestruturas críticas e responsabilizem ataques que causem poluição ambiental durante conflitos;

  2. Planeamento de resposta em áreas de conflito — protocolos internacionais (IMO, agências regionais, equipas de salvamento) preparados para atuar em zonas de risco e salvaguardar ecossistemas sensíveis;

  3. Maior visibilidade e pressão pública — as organizações ambientais, a mídia e a sociedade civil precisam tratar desastres ambientais em contextos de guerra como questão humanitária e ecológica urgente, exigindo transparência, monitoramento e reparação.

Referências (seleção das fontes técnicas e relatos usados)

  • Lindén O., Jernelöv A. et al., The Environmental Impacts of the Gulf War 1991 (IIASA report) — histórico e avaliação dos derrames e incêndios no Kuwait.

  • ITOPF, Effects of Oil Pollution on the Marine Environment / Fate of Oil Spills — descrição técnica do comportamento do óleo no ambiente marinho e avaliações de impactes.

  • NOAA / Restoration Center — orientações sobre seafood safety pós-derramamento e protocolos de reabertura de áreas de pesca (PAHs como principal risco químico).

  • Reuters / The Guardian / NOAA incident reports sobre o afundamento do Volgoneft-212 (Kerch Strait / Black Sea, dezembro de 2024) — exemplo recente de derrame em contexto de risco/teatro de conflito.

  • NOAA / Reuters sobre o ataque e risco de derrame no petroleiro Sounion no Mar Vermelho (agosto 2024) e as operações de salvamento subsequentes — caso paradigmático de risco ecológico gerado por ações militares/paramilitares.