Geofísica e Água Subterrânea.

A metodologia geofísica da Resistividade Elétrica na prospecção de água subterrânea.

Mário Marcelino, Dr.

8/3/20255 min read

Como a Geofísica Ajuda a Encontrar Água no Subsolo: Entendendo o Método da Eletrorresistividade

A água subterrânea é um recurso vital para o abastecimento das pessoas, o uso na agricultura e nas indústrias. Mas encontrar essa água — que está escondida no subsolo, entre rochas e camadas de solo — nem sempre é fácil. É aí que entra a geofísica, uma área da ciência que estuda o interior da Terra com a ajuda de instrumentos que medem propriedades físicas do solo, como a capacidade de conduzir eletricidade. Um dos métodos mais utilizados nesse tipo de estudo é o da eletrorresistividade elétrica.

Segundo Orellana (1972), a geofísica aplicada estuda e localiza estruturas abaixo do solo com base nas diferenças de propriedades físicas entre materiais, observando sinais que podem ser medidos na superfície. A eletrorresistividade é justamente isso: um método que usa corrente elétrica para investigar o que está escondido no subsolo, como água, rochas fraturadas, argilas ou até minerais.

Funciona assim: aplicamos uma corrente elétrica no solo usando dois eletrodos (A e B), e medimos a diferença de potencial com outros dois eletrodos (M e N). Dependendo de como a corrente “viaja” por dentro da Terra e retorna, conseguimos saber se o material por onde ela passou é mais ou menos resistente. Áreas com água, por exemplo, costumam oferecer menos resistência, ou seja, têm baixa resistividade. Já rochas secas, com pouco espaço para a água circular, tendem a ter alta resistividade.

Essa medida é chamada de resistividade elétrica, indicada pela letra ρ (rho) e expressa em Ohm.m. É o contrário da condutividade: quanto maior a resistividade, mais difícil a passagem da corrente; quanto menor, mais fácil. Em termos simples: um solo úmido ou rocha fraturada com água salgada será mais "condutor" de eletricidade do que uma rocha maciça e seca.

A resistividade depende de vários fatores, como a porosidade da rocha, o tipo de mineral presente e a quantidade de água nos poros e fraturas. Por exemplo, rochas cristalinas como granito são naturalmente pouco porosas e têm alta resistividade. Mas se estiverem muito fraturadas e com água circulando, a resistividade cai bastante — principalmente se essa água tiver sais minerais dissolvidos.

Além da presença de água em fraturas e poros das rochas, a presença de minerais condutivos faz baixar o valor da resistividade. No entanto, esta mudança só se faz notar quando a quantidade de minerais condutivos excede 10% do volume da rocha (Fernandes, 1984). A Figura 1 mostra algumas resistividades médias de algumas rochas e minerais.

Figura 1 – Intervalo de valores de resistividade elétrica de alguns materiais geológicos e em materiais naturais (Adaptado de Orellana, 1972; Palacky, 1987)

Além disso, alguns minerais podem até gerar seu próprio campo elétrico, sem necessidade de corrente artificial. Esse fenômeno é chamado de potencial espontâneo. No entanto, na maioria das aplicações, usamos correntes artificiais — contínuas ou alternadas — e preferencialmente de baixa frequência, pois quanto mais baixa a frequência, mais profundamente ela penetra no subsolo.

A principal vantagem desse método é o baixo custo em relação a outras formas de investigação e o fato de ser não invasivo, ou seja, não precisa cavar ou perfurar nada para obter dados. Por isso, ele é amplamente usado em projetos de abastecimento de água, engenharia, meio ambiente e até mineração.

Como os Dados São Coletados

Existem diferentes formas de organizar os eletrodos no solo. Os dois arranjos mais comuns são os chamados Schlumberger e Wenner, mas há muitos outros, como dipolo-dipolo, pólo-dipolo e gradiente. Cada um tem vantagens dependendo do tipo de terreno e da profundidade que se quer investigar.

Um arranjo bastante usado é o dipolo-dipolo, que serve tanto para perfis verticais quanto para imagens laterais do subsolo. Nesse arranjo, os eletrodos de corrente (AB) e os de medição de tensão (MN) são colocados em linha reta, com espaçamento definido. À medida que aumentamos a distância entre eles, conseguimos "ver" mais fundo no solo, até profundidades que chegam a dezenas de metros.

Quando o interesse é saber o que existe lateralmente, e não só em profundidade, usamos o chamado Caminhamento Elétrico, onde os eletrodos vão sendo movimentados sobre a superfície, gerando uma imagem da distribuição da resistividade em toda a área. Isso permite criar mapas e perfis do subsolo. A Figura 2 ilustra o arranjo dipo-dipolo para a aquisição do Caminhamento Elétrico.

Figura 2 - Organização dos eletrodos e comportamento do fluxo de corrente e do potencial gerado durante uma aquisição elétrica com o arranjo dipolo-dipolo (adaptado de Elis, 1998)

Tratamento e Interpretação dos Dados

Depois de coletados, os dados passam por um processo de limpeza, para retirar possíveis erros, e depois são processados em softwares especializados, como o Res2DInv. Esses programas criam imagens da resistividade do subsolo, como se fossem “fotografias” feitas a partir dos sinais elétricos. Quanto melhor o processamento, mais fiel será a imagem à realidade.

Esses modelos ajudam geólogos e engenheiros a decidir onde perfurar, o que esperar em cada camada, e até estimar a qualidade da água que pode ser encontrada. Por exemplo, água doce tem resistividade maior que água salina — e isso pode ser detectado na imagem gerada.

Aplicações Práticas e Resultados Reais

Na Nigéria, por exemplo, esse tipo de levantamento é amplamente utilizado em regiões secas, como a Bacia de Sokoto. Ali, o método permitiu localizar aquíferos entre 30 e 80 metros de profundidade, confirmados por perfurações posteriores. Em áreas costeiras, como Lagos e Warri, a eletrorresistividade também ajuda a evitar que poços sejam cavados em áreas com água salgada, protegendo a saúde da população.

Com o avanço da tecnologia, hoje já existem equipamentos automatizados com dezenas ou centenas de eletrodos, que reduzem o tempo de coleta e aumentam a precisão. Também é possível integrar os dados a sistemas de informação geográfica (SIG), criar modelos 3D do subsolo, e até usar drones para carregar sensores leves em áreas de difícil acesso.

Além disso, softwares com inteligência artificial estão sendo cada vez mais usados para interpretar os dados com mais rapidez e precisão, reduzindo erros humanos.

Limitações e Cuidados

Apesar de suas muitas vantagens, o método não é perfeito. Em alguns casos, diferentes tipos de solo podem apresentar valores parecidos de resistividade, dificultando a interpretação. Interferências elétricas de postes, construções ou objetos metálicos também podem afetar os resultados.

O subsolo raramente é homogêneo — ou seja, uniforme — então os valores obtidos são chamados de resistividade aparente, que é uma média do que a corrente encontrou ao passar por camadas diversas. Isso significa que os resultados devem ser analisados por profissionais experientes e, sempre que possível, combinados com outros dados, como perfis de poços, testes de bombeamento e análises geológicas.

Conclusão

A eletrorresistividade é uma técnica poderosa, segura e acessível para investigar o que está escondido sob nossos pés. Ela ajuda a encontrar aquíferos, entender a geologia do local, estimar a qualidade da água subterrânea e até evitar perfurações desnecessárias.

Com o apoio da tecnologia moderna, como softwares, drones e integração com mapas digitais, essa ferramenta se torna ainda mais eficiente. Mas para garantir bons resultados, é essencial que os levantamentos sejam realizados por profissionais qualificados e acompanhados de estudos complementares.

Em um mundo onde a água se torna cada vez mais escassa, métodos como esse são fundamentais para garantir o uso inteligente e sustentável dos recursos naturais.