GÊISERES – O FENÔMENO NATURAL DO CALOR INTERNO DA TERRA

Como funciona o fenômeno

Mário Marcelino, Dr.

11/12/20255 min read

GÊISERES – O FENÔMENO NATURAL DO CALOR INTERNO DA TERRA

Os gêiseres são um dos fenômenos mais impressionantes e raros da natureza. Trata-se de fontes termais sob pressão que entram em erupção periodicamente, lançando jatos de água e vapor superaquecidos para o ar. Sua ocorrência está diretamente relacionada à energia interna da Terra, ao ciclo da água e à atividade vulcânica.

Como se formam os gêiseres

Os gêiseres surgem em regiões geotérmicas específicas, onde a combinação entre calor, água e um sistema de fraturas subterrâneas cria condições ideais para seu funcionamento. O processo pode ser descrito da seguinte forma:

  1. Infiltração da água – A chuva ou a neve derretida penetra no solo e se infiltra através de fraturas e poros nas rochas.

  2. Circulação subterrânea – A água desce até camadas profundas, onde se aproxima de rochas aquecidas pelo magma.

  3. Aquecimento e pressurização – A temperatura aumenta e a água torna-se superaquecida, ultrapassando os 100 °C sem ferver, devido à alta pressão exercida pela coluna de água acima.

  4. Erupção – Quando parte dessa água se transforma em vapor, a pressão sobe rapidamente, empurrando o líquido quente para cima através do conduto. O resultado é um jato súbito de vapor e água fervente, que pode alcançar dezenas de metros de altura.

  5. Reinício do ciclo – Após a erupção, o sistema se esvazia, a pressão diminui e a água lentamente infiltra-se novamente, reiniciando o processo.

Esse ciclo pode durar de poucos minutos a vários dias, dependendo do tamanho do reservatório e da estrutura geológica do sistema.

Condições geológicas necessárias

A formação de um gêiser exige três condições essenciais:

  • Fonte de calor: magma ou rocha muito quente próxima à superfície.

  • Reservatório de água subterrânea: geralmente proveniente de infiltrações do ciclo hidrológico.

  • Sistema de condutos estreitos e profundos: canais subterrâneos que permitem a acumulação de água sob pressão e sua liberação explosiva.

Essas condições são raras, o que explica a escassez de gêiseres no planeta. Alterações em qualquer uma dessas variáveis — como mudanças na recarga de água, pressões subterrâneas ou obstrução dos condutos por depósitos minerais — podem fazer com que um gêiser se torne inativo.

Temperatura, pressão e riscos

A água que alimenta os gêiseres pode atingir temperaturas superiores a 120 °C nas profundezas do sistema. Devido à pressão elevada, a ebulição só ocorre quando há uma redução repentina dessa pressão, liberando vapor e calor de forma violenta.

Essas características fazem dos gêiseres fenômenos potencialmente perigosos:

  • O contato direto com a água ou o vapor pode causar queimaduras graves.

  • Em áreas geotérmicas, há risco de emissões de gases tóxicos, como dióxido de enxofre (SO₂) e gás sulfídrico (H₂S).

  • A instabilidade do solo e pequenas explosões hidrotermais também podem ocorrer, principalmente em campos ativos.

Além disso, depósitos minerais (principalmente sílica amorfa, chamada geyserite) se acumulam ao redor das bocas de erupção, alterando lentamente o formato do conduto e, por vezes, afetando o funcionamento do sistema.

Associação com o vulcanismo e a energia geotérmica

Os gêiseres estão intimamente ligados a regiões vulcânicas ativas ou recentes, onde o calor do magma ainda é intenso. Essas zonas frequentemente coincidem com áreas de falhas e fraturas, que facilitam a circulação da água e a transferência de calor.

Por isso, os gêiseres são indicadores naturais de potencial geotérmico. A mesma energia que os alimenta pode ser aproveitada para geração de eletricidade limpa, desde que com controle rigoroso para não afetar o equilíbrio do sistema natural — já que a exploração excessiva de água subterrânea pode extinguir esses fenômenos.

O ciclo da água e a conexão com os gêiseres

O funcionamento de um gêiser é, em essência, parte do ciclo hidrológico da Terra. A água que alimenta o sistema vem da precipitação (chuva ou neve), infiltra-se no solo, aquece-se em profundidade e retorna à superfície em forma de vapor e jato d’água. É um ciclo fechado e contínuo, sustentado pela energia geotérmica do planeta.

Distribuição mundial e exemplos famosos

Os gêiseres são extremamente raros. Estima-se que existam menos de mil gêiseres ativos no mundo, concentrados principalmente em:

  • Parque Nacional de Yellowstone (EUA) – onde o famoso Old Faithful entra em erupção a cada 50–100 minutos, com jatos que podem atingir 40 metros de altura.

  • Islândia, Nova Zelândia e Rússia (Vale dos Gêiseres, Kamchatka) – outras regiões de alta atividade geotérmica.

Gêiseres na América do Sul

Embora mais raros, a América do Sul abriga alguns campos geotérmicos notáveis, especialmente nos Andes, onde o vulcanismo é ativo. Os principais são:

Gêiseres del Tatio (Chile)

Localizados a cerca de 4.300 m de altitude, no deserto do Atacama, formam o maior campo de gêiseres do Hemisfério Sul e o terceiro maior do mundo. Há mais de 80 gêiseres ativos e centenas de fontes termais e fumarolas. As erupções são mais intensas nas primeiras horas da manhã, quando o ar frio contrasta com o vapor quente, criando um espetáculo visual único.

Gêiseres de Sol de Mañana (Bolívia)

Situados no altiplano boliviano, a mais de 4.800 m de altitude, apresentam piscinas de lama fervente, jatos de vapor e forte odor de enxofre. O campo faz parte do mesmo sistema geotérmico andino que alimenta El Tatio.

Campo Geotérmico de Puchuldiza (Chile)

Menos conhecido, o campo de Puchuldiza, na região de Tarapacá, abriga gêiseres e fontes quentes alimentadas por águas subterrâneas aquecidas. A temperatura da água pode ultrapassar 85 °C, e as formações de sílica ao redor dos jatos testemunham a intensa atividade mineral das águas termais.

Curiosidades científicas

  • Os depósitos de sílica formados pelos gêiseres são semelhantes a estruturas preservadas em rochas muito antigas, ajudando cientistas a compreender as primeiras formas de vida microbiana da Terra.

  • O estudo dos gêiseres terrestres também auxilia na pesquisa planetária. Fenômenos semelhantes — chamados criovulcões — foram observados em luas geladas como Encélado (Saturno) e Europa (Júpiter), onde jatos de água congelada emergem do subsolo.

  • Em altitudes elevadas, como nos Andes, o ponto de ebulição da água é menor devido à baixa pressão atmosférica, o que altera o comportamento térmico e a força das erupções.

Conclusão

Os gêiseres representam uma manifestação espetacular da interação entre o calor interno da Terra e o ciclo da água. São testemunhos vivos da energia que se movimenta sob nossos pés e laboratórios naturais para o estudo da geotermia, da hidrologia subterrânea e da vulcanologia.

Embora belíssimos e inspiradores, também lembram que o planeta é dinâmico, poderoso e, acima de tudo, vivo — uma máquina natural em equilíbrio delicado, onde água, calor e rocha dançam em harmonia para criar um dos espetáculos mais fascinantes do mundo natural.