A Importância do Estudo Hidrogeológico na perfuração de poço
Como funciona e a importância do estudo hidrogeológico em projetos de captação da água subterrânea através de poços tubulares
Mário Marcelino, Dr.
10/20/20256 min read


A Importância do Estudo Hidrogeológico na Captação de Água Subterrânea
1. Introdução
A água subterrânea representa uma das fontes mais importantes de abastecimento hídrico do planeta. Estima-se que cerca de 97% da água doce disponível em estado líquido encontra-se armazenada no subsolo (FETTER, 2001). No Brasil, segundo dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA, 2021), mais de 60% dos municípios utilizam poços tubulares como principal fonte de abastecimento, totalizando milhões de pessoas dependentes direta ou indiretamente desses sistemas.
O processo de formação e circulação dessas águas é explicado pelo ciclo hidrogeológico, que corresponde à parcela do ciclo hidrológico que ocorre abaixo da superfície terrestre. Após a precipitação, parte da água infiltra-se no solo, percolando através dos seus poros e fraturas, até atingir uma zona de saturação, onde todos os espaços vazios estão preenchidos por água — constituindo os aquíferos (BEAR, 1972; FREEZE & CHERRY, 1979).
Esses aquíferos funcionam como reservatórios naturais, alimentados continuamente pela recarga proveniente das chuvas e escoamentos superficiais, sendo, portanto, recursos renováveis desde que explorados dentro da sua capacidade de recarga. Nesse contexto, o estudo hidrogeológico é indispensável para compreender o comportamento da água subterrânea e orientar o planejamento técnico e sustentável da captação através de poços.
2. Dinâmica da Água no Subsolo
A circulação e o armazenamento da água subterrânea dependem fundamentalmente das propriedades físicas das formações geológicas, principalmente porosidade e permeabilidade.
A porosidade é a relação entre o volume de vazios e o volume total da rocha (FETTER, 2001). Pode ser:
Primária, resultante do processo de deposição ou consolidação dos sedimentos, característica das rochas sedimentares;
Secundária, desenvolvida após a formação da rocha, por meio de fraturas, falhas, dissoluções ou zonas de cisalhamento, típica das rochas cristalinas (ígneas e metamórficas).
Já a permeabilidade expressa a capacidade da rocha de permitir o fluxo da água através dos seus poros ou fraturas interconectadas.
Nas rochas sedimentares, a presença de camadas argilosas ou silto-argilosas tende a reduzir a permeabilidade, dificultando o fluxo e resultando em poços de menor vazão. Em contrapartida, arenitos e conglomerados, com alta porosidade primária, constituem bons aquíferos.
Nas rochas cristalinas, a água ocorre quase exclusivamente nas zonas de fraturamento, apresentando porosidade secundária, o que explica a alta variabilidade na produtividade dos poços perfurados nesses terrenos (CPRM, 2015).
Essas características tornam imprescindível o conhecimento detalhado da geologia local e regional, para que a perfuração de poços ocorra em áreas mais favoráveis à ocorrência e circulação da água subterrânea.
3. Etapas do Estudo Hidrogeológico
Um projeto de captação eficiente e sustentável de água subterrânea envolve uma sequência de etapas técnicas integradas, conforme recomendam ABAS (Associação Brasileira de Águas Subterrâneas, 2019) e ANA (2020). As principais fases incluem o levantamento bibliográfico, a interpretação de imagens, o trabalho de campo e a análise integrada dos dados.
3.1. Pesquisa Bibliográfica
Esta etapa visa reunir e analisar as informações hidrogeológicas existentes sobre a área de interesse, servindo de base para o planejamento dos trabalhos de campo. São consultados relatórios técnicos, estudos anteriores, bancos de dados de poços perfurados (como o Sistema de Informações de Águas Subterrâneas – SIAGAS/CPRM), além de mapas geológicos, hidrogeológicos e topográficos.
Esses dados permitem identificar sistemas aquíferos regionais, vazões médias e profundidades usuais de captação, além de indicar a produtividade dos poços existentes. Essa etapa reduz incertezas e direciona os esforços de investigação, otimizando tempo e custos.
3.2. Fotointerpretação Geológica e de Imagens de Satélite
A fotointerpretação geológica e o uso de imagens de satélite (como Landsat, Sentinel ou imagens de drones) permitem compreender a estrutura geológica e geomorfológica da região. Essa análise auxilia na identificação de unidades litológicas, lineamentos estruturais (falhas e fraturas) e áreas de recarga e descarga dos aquíferos (CPRM, 2013).
Essas informações são fundamentais para a elaboração de um modelo conceitual hidrogeológico, que descreve o comportamento do sistema subterrâneo e subsidia a escolha dos setores prioritários para investigação detalhada e futura perfuração.
3.3. Atividades de Campo
3.3.1. Levantamentos Geológicos de Campo
Os levantamentos de campo têm como objetivo caracterizar a geologia e estrutura local, validando e complementando os dados obtidos por sensoriamento remoto. Nessa fase são descritas as litologias aflorantes, as direções de fraturas, o tipo de intemperismo e a morfologia do terreno.
3.3.2. Levantamentos Geofísicos
A geofísica aplicada, especialmente o método da eletrorresistividade, é uma ferramenta indispensável para a investigação do subsolo. Esse método mede a resistividade elétrica das formações geológicas, permitindo estimar a profundidade das camadas, a espessura do manto de alteração e a presença de zonas de fraturamento saturadas (TELFORD et al., 1990).
A integração entre dados geofísicos e geológicos possibilita selecionar os pontos mais promissores para a perfuração, reduzindo o risco de poços improdutivos.
4. Análise de Dados
Após a coleta e consolidação das informações, é realizada a análise integrada dos dados geológicos, geofísicos e hidrogeológicos. Nessa etapa define-se o potencial de captação da área, as profundidades ideais de perfuração, os setores prioritários e as características construtivas do poço.
A análise também inclui uma avaliação de riscos, considerando aspectos como interferência entre poços, possibilidade de contaminação e sustentabilidade da explotação. Os resultados embasam o projeto básico do poço tubular.
5. Projeto Básico do Poço
Com base nos dados obtidos, elabora-se o projeto básico, documento técnico que define:
Profundidade estimada e diâmetro do poço;
Tipo e diâmetro de revestimento, colunas filtrantes, posição dos filtros e previsão de cimentação;
Tipo de bomba e vazão de projeto;
Plano de ensaios de bombeamento e análises de qualidade da água.
Após a aprovação do projeto e obtenção das autorizações legais de perfuração (órgãos ambientais e outorga de uso d’água), inicia-se a execução das etapas de perfuração, completação, desenvolvimento e ensaios de vazão. Estes ensaios determinam o regime de exploração sustentável, evitando o rebaixamento excessivo do nível freático.
6. Recomendações Técnicas
O relatório final do estudo hidrogeológico deve incluir recomendações técnicas e operacionais, contemplando:
Atendimento às normas técnicas da ABNT (NBR 12244:2022 e NBR 12212:2017) sobre construção e operação de poços;
Controle de qualidade da água, conforme Portaria GM/MS nº 888/2021 do Ministério da Saúde;
Procedimentos de monitoramento periódico dos níveis estáticos e dinâmicos;
Diretrizes de manutenção preventiva, desinfecção e operação segura do poço;
Cumprimento da legislação estadual e federal de recursos hídricos, incluindo outorga e cadastro no sistema SIAGAS/CPRM.
Essas recomendações asseguram a longevidade e eficiência do poço, além da preservação da qualidade da água e do aquífero explorado.
7. Conclusão
O estudo hidrogeológico é um instrumento essencial para o uso racional das águas subterrâneas, fornecendo as bases técnicas e científicas que garantem o sucesso de um projeto de captação por poço tubular.
A integração entre dados geológicos, geofísicos e hidrogeológicos permite selecionar locais mais produtivos, reduzir custos e minimizar riscos ambientais, assegurando a exploração sustentável dos aquíferos.
É fundamental ressaltar que todas as etapas — desde o estudo até a execução — devem ser acompanhadas por profissionais habilitados, como geólogos, hidrogeólogos e engenheiros de minas, devidamente registrados no CREA. A contratação de técnicos especializados assegura que o projeto atenda aos requisitos técnicos e legais, evitando prejuízos econômicos, riscos de contaminação e exploração inadequada do recurso hídrico.
Dessa forma, o estudo hidrogeológico não é apenas um requisito técnico, mas um instrumento de gestão ambiental e de segurança hídrica, essencial para o desenvolvimento sustentável das atividades humanas.
Referências Bibliográficas
ABAS – Associação Brasileira de Águas Subterrâneas. Manual de Poços Tubulares. São Paulo, 2019.
ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Atlas das Águas Subterrâneas do Brasil. Brasília, 2021.
BEAR, J. Dynamics of Fluids in Porous Media. Dover Publications, 1972.
CPRM – Serviço Geológico do Brasil. Hidrogeologia: Fundamentos e Aplicações. Brasília, 2015.
FETTER, C. W. Applied Hydrogeology. 4th ed. Prentice Hall, 2001.
FREEZE, R. A.; CHERRY, J. A. Groundwater. Prentice-Hall, 1979.
TELFORD, W. M.; GELDART, L. P.; SHERIFF, R. E. Applied Geophysics. Cambridge University Press, 1990.
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 12244:2022 – Construção de poço tubular para captação de água subterrânea. Rio de Janeiro, 2022.
Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 888/2021 – Padrões de potabilidade da água para consumo humano.
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