A evolução do licenciamento ambiental no Brasil: base legal, influência internacional e papel estratégico no desenvolvimento sustentável

Base legal, influência internacional e papel estratégico no desenvolvimento sustentável

Mário Marcelino, Dr.

11/1/20254 min read

A evolução do licenciamento ambiental no Brasil: base legal, influência internacional e papel estratégico no desenvolvimento sustentável

O licenciamento ambiental é hoje um dos pilares da política ambiental brasileira — um instrumento que garante que o desenvolvimento econômico ocorra de forma planejada, equilibrada e transparente. Mas esse sistema, que parece consolidado, é fruto de uma construção histórica complexa, marcada por influências internacionais, avanços normativos e disputas entre crescimento econômico e proteção ambiental.

🕰️ 1. As origens — do controle da poluição à gestão integrada

O embrião do licenciamento ambiental brasileiro remonta às décadas de 1970 e 1980, período em que o país começava a estruturar suas instituições ambientais em meio à industrialização acelerada e ao aumento da poluição urbana.

Em 1973, o governo federal criou a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), ligada ao Ministério do Interior, inspirada em movimentos ambientais internacionais como a Conferência de Estocolmo (ONU, 1972). Essa conferência foi o primeiro grande marco global a reconhecer o direito humano a um ambiente saudável e influenciou fortemente as políticas nacionais de diversos países, inclusive o Brasil.

O licenciamento, inicialmente, tinha foco no controle de poluentes — uma lógica corretiva, voltada à mitigação de impactos após sua ocorrência. Com o avanço das discussões ambientais e a necessidade de prevenir danos, o Brasil iniciou um processo de institucionalização do licenciamento preventivo, baseado na avaliação prévia dos impactos e na compatibilização entre uso do território e conservação dos recursos naturais.

⚖️ 2. A consolidação legal — da Política Nacional do Meio Ambiente à Constituição de 1988

O salto definitivo veio com a Lei nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).

Essa lei definiu o licenciamento ambiental como um dos instrumentos da política ambiental, estabelecendo sua base legal, seus princípios (prevenção, controle e responsabilização) e a divisão de competências entre os entes federativos.

Em 1986, a Resolução CONAMA nº 001 regulamentou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) — introduzindo de forma pioneira no Brasil o conceito de avaliação ambiental prévia, inspirado no modelo americano do National Environmental Policy Act (NEPA), de 1969.

Dois anos depois, a Constituição Federal de 1988 elevou o meio ambiente à categoria de direito fundamental (art. 225), consolidando o princípio do desenvolvimento sustentável e determinando que o poder público exigisse estudo de impacto ambiental para atividades potencialmente causadoras de degradação significativa.

A partir desse marco, o licenciamento passou a ser um dever constitucional, e não apenas uma prerrogativa administrativa.

🌍 3. Influências internacionais — de Estocolmo ao Rio+20

O modelo brasileiro de licenciamento não evoluiu isoladamente. Ele foi fortemente influenciado por marcos internacionais:

  • Estocolmo (1972) – Introduziu o conceito de “meio ambiente como direito humano”.

  • Relatório Brundtland (1987) – Definiu o desenvolvimento sustentável como aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer as gerações futuras”.

  • Rio-92 (ECO-92) – Trouxe a Agenda 21 e consolidou a integração entre economia, meio ambiente e sociedade.

  • Rio+10 (Joanesburgo, 2002) e Rio+20 (2012) – Reforçaram a importância de instrumentos de planejamento e governança ambiental participativa.

Essas conferências ajudaram a inserir o licenciamento dentro de uma visão sistêmica, que vai além da análise técnica de impactos: envolve governança, transparência, participação pública e alinhamento com políticas globais de sustentabilidade e clima.

🧭 4. O licenciamento na prática — desafios e modernizações

Nas últimas décadas, o licenciamento passou por uma transição: de um processo analógico, lento e centralizado, para uma ferramenta digital e descentralizada, com avanços importantes em estados como Minas Gerais, Mato Grosso, Espírito Santo e Ceará.

A criação de sistemas digitais integrados (como o SLA em Minas Gerais e o SIMLAM em Mato Grosso) reduziu prazos e trouxe maior transparência, permitindo que empreendimentos de baixo impacto sejam licenciados de forma simplificada, enquanto projetos de alto impacto passam por análises detalhadas.

Outros avanços incluem:

  • Classificação de empreendimentos por porte e potencial poluidor (Resolução CONAMA 237/1997);

  • Integração com zoneamentos ecológico-econômicos (ZEE) e planos de bacia hidrográfica;

  • Participação social ampliada, por meio de audiências públicas e consultas on-line;

  • Integração com políticas de mudanças climáticas, biodiversidade e recursos hídricos.

Apesar disso, ainda há desafios persistentes, como a sobreposição de competências entre órgãos federais e estaduais, a falta de padronização de critérios técnicos e a carência de estrutura para análise em muitas regiões.

🌱 5. Licenciamento e desenvolvimento sustentável — de barreira a motor estratégico

O licenciamento ambiental é frequentemente criticado como entrave ao desenvolvimento. Na prática, porém, ele é o que garante que o desenvolvimento aconteça com segurança, previsibilidade e legitimidade social.

Empreendimentos bem licenciados apresentam menor risco jurídico, maior estabilidade operacional e melhor reputação ESG — fatores decisivos para a atração de investimentos, especialmente no setor de energia, mineração, infraestrutura e saneamento.

Ao exigir estudos técnicos, medidas compensatórias e diálogo com comunidades, o licenciamento não trava o progresso: ele o qualifica. Ele impede que erros ambientais se transformem em crises econômicas, como os desastres de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) — que mostraram o custo humano, social e financeiro da negligência ambiental.

O caminho, portanto, não é desregulamentar, mas modernizar, com base em três princípios:

  1. Planejamento ambiental integrado (território + água + biodiversidade);

  2. Digitalização e transparência;

  3. Capacitação técnica e eficiência decisória.

🌍 Conclusão — o futuro do licenciamento como instrumento de governança ambiental

O licenciamento ambiental brasileiro é fruto de 50 anos de aprendizado institucional e representa um dos sistemas mais completos da América Latina. Ele nasceu de compromissos internacionais, amadureceu com a Constituição de 1988 e hoje precisa evoluir de uma lógica meramente burocrática para uma lógica estratégica de sustentabilidade e competitividade nacional.

Em tempos de transição energética, economia verde e pressão climática global, licenciar bem é planejar o futuro. A efetividade do licenciamento é o que garantirá ao Brasil a capacidade de crescer preservando seus ecossistemas, seus aquíferos e sua imagem internacional de potência ambiental.

📚 Referências

  • Lei nº 6.938/1981 — Política Nacional do Meio Ambiente.

  • Resolução CONAMA nº 001/1986 — Diretrizes para o EIA/RIMA.

  • Resolução CONAMA nº 237/1997 — Procedimentos do Licenciamento Ambiental.

  • Constituição Federal de 1988 — Artigo 225.

  • Relatório Brundtland (ONU, 1987) — “Our Common Future”.

  • Conferência de Estocolmo (1972), Rio-92, Rio+20 — Marcos internacionais de política ambiental.

  • OECD (2023) — Environmental Licensing and Competitiveness in Emerging Economies.

  • SEMAD-MG / SEMA-MT (2024) — Resultados de modernização do licenciamento digital.