A evolução do Gerenciamento das Áreas Contaminadas

Como nasceu e se desenvolveu a preocupação com as áreas contaminadas

Mário Marcelino, Dr.

10/21/20255 min read

A História das Primeiras Áreas Contaminadas e o Nascimento da Preocupação Ambiental

🌍 1. Introdução: a evolução da percepção dos impactos ambientais

A história das áreas contaminadas está diretamente ligada à evolução da percepção humana sobre os impactos ambientais. Durante muito tempo, a sociedade só se preocupou com o que podia ver, cheirar ou sentir de forma imediata. Assim, a fumaça das chaminés foi o primeiro símbolo da poluição — visível, incômoda e capaz de atravessar fronteiras, afetando diretamente as populações urbanas. A contaminação atmosférica foi, portanto, o primeiro alerta ambiental moderno, pois seus efeitos eram rápidos e perceptíveis: ardor nos olhos, tosse, chuva ácida e nevoeiros tóxicos.

Com o tempo, a atenção se voltou para os rios e corpos d’água, onde os resíduos industriais e domésticos eram despejados sem controle. A poluição hídrica se tornou um problema regional: a água suja se espalhava ao longo dos cursos fluviais, atingindo populações ribeirinhas e ecossistemas inteiros. A degradação dos rios mostrou que a contaminação podia viajar — e que seus impactos iam além das fronteiras de uma fábrica ou cidade.

Depois, a preocupação chegou aos resíduos sólidos e industriais, descartados de forma inadequada em lixões e aterros improvisados. Embora menos visíveis à distância, esses resíduos causavam incômodos locais intensos — mau cheiro, proliferação de vetores, riscos de incêndio e contaminação de vizinhos. Ainda assim, a percepção era de que o problema era “localizado” e, portanto, controlável.

Por fim, surge o conceito moderno de área contaminada — um tipo de poluição oculta, silenciosa e persistente. Diferente da fumaça ou dos rios poluídos, aqui o contaminante infiltra-se no solo e nas águas subterrâneas, permanecendo invisível aos olhos e revelando seus efeitos apenas anos ou décadas depois. É a forma mais insidiosa de degradação ambiental, pois seus danos são cumulativos, de difícil detecção e reversão, afetando gerações futuras.

🧪 2. As origens: a Revolução Industrial e o início da contaminação

A história das áreas contaminadas começa com a Revolução Industrial, entre os séculos XVIII e XIX, quando o crescimento das fábricas, o uso de combustíveis fósseis e a produção química em larga escala trouxeram poluição sem precedentes.

Naquela época, não havia regulamentação ambiental nem consciência dos riscos à saúde. Resíduos industriais eram descartados diretamente no solo, em rios ou enterrados, sob a crença de que a natureza “absorveria tudo”. As primeiras contaminações documentadas envolvem metais pesados (como chumbo, cádmio e mercúrio), solventes e hidrocarbonetos.

Embora o problema fosse global, foi após a Segunda Guerra Mundial (décadas de 1940 e 1950) que os impactos se tornaram críticos, com a expansão da indústria química e petroquímica. Nesse período, surgiram grandes passivos ambientais — áreas degradadas, depósitos de resíduos perigosos e solos envenenados —, muitas vezes dentro de centros urbanos.

⚠️ 3. Primeiros casos emblemáticos no mundo

Alguns episódios marcaram a transição da negligência para a consciência ambiental:

  • Caso Minamata (Japão, 1950–1960):
    O vazamento de compostos de mercúrio da fábrica Chisso Corporation contaminou a baía de Minamata, envenenando peixes e causando graves doenças neurológicas na população local. Esse desastre ficou conhecido como Doença de Minamata e é um marco na história da toxicologia ambiental.

  • Caso Love Canal (EUA, 1978):
    Um dos episódios mais simbólicos do surgimento do conceito de área contaminada. Na cidade de Niagara Falls, Nova York, uma antiga cava usada como depósito de resíduos químicos foi coberta e transformada em bairro residencial. Anos depois, surgiram vazamentos tóxicos, causando abortos, câncer e más-formações congênitas. A repercussão foi tão grande que levou à criação, em 1980, da lei CERCLA (Comprehensive Environmental Response, Compensation and Liability Act) — o famoso Superfund, marco legal dos EUA para identificação, investigação e recuperação de áreas contaminadas.

  • Caso Lekkerkerk (Holanda, 1980):
    Um conjunto habitacional foi construído sobre uma antiga área de disposição de resíduos industriais. O solo liberava gases e vapores tóxicos nas casas, obrigando a evacuação da comunidade. Esse caso foi decisivo para a política europeia de solos contaminados.

🌱 4. Consolidação da preocupação global (anos 1980–2000)

A partir da década de 1980, a contaminação de solos e águas subterrâneas passou a ser reconhecida como um problema ambiental de escala mundial. Governos e organismos internacionais começaram a estabelecer leis específicas, normas técnicas e programas de remediação.

  • Nos EUA, o Superfund tornou-se referência global, mapeando milhares de áreas contaminadas e criando critérios técnicos para diagnóstico e limpeza.

  • Na Europa, países como Alemanha, Holanda e Reino Unido criaram legislações próprias e bancos de dados públicos sobre locais contaminados, promovendo a integração entre planejamento urbano e gestão ambiental.

  • No Japão, o aprendizado de Minamata e outros desastres levou à criação de leis de controle de substâncias perigosas e à remediação de antigas zonas industriais.

Essas ações transformaram o tema das áreas contaminadas em política pública e campo técnico-científico consolidado, envolvendo engenheiros, geólogos, químicos e gestores ambientais.

5. O contexto no Brasil

No Brasil, a preocupação com áreas contaminadas só ganhou força a partir da década de 1990, impulsionada por três fatores:

  1. A pressão internacional por políticas ambientais mais rígidas;

  2. O crescimento urbano e o reaproveitamento de antigas áreas industriais;

  3. Casos de contaminação que vieram à tona, como o CETREL (Bahia) e Barão de Mauá (São Paulo).

O marco institucional veio com o CONAMA 420/2009, que estabeleceu critérios e valores orientadores para a qualidade do solo e das águas subterrâneas, definindo diretrizes para identificação, investigação e reabilitação de áreas contaminadas.
Órgãos como a CETESB (SP) foram pioneiros na criação de cadastros e manuais técnicos, servindo de modelo para outros estados.

🔬 6. Do passado ao presente: evolução da abordagem

Com o tempo, o foco deixou de ser apenas descobrir e limpar áreas contaminadas, passando a incluir a prevenção e a gestão de passivos ambientais.
Hoje, fala-se em reabilitação de áreas degradadas, valoração de passivos e uso sustentável do solo, integrando o tema à economia circular e à reurbanização.

Técnicas de remediação evoluíram: do simples confinamento físico de contaminantes, passou-se à biorremediação, fitorremediação, oxidação in situ e monitoramento ativo de aquíferos — abordagens mais limpas, eficazes e sustentáveis.

🧭 7. Conclusão

A história das áreas contaminadas é também a história da evolução da consciência ambiental humana. O que começou com a fumaça visível das chaminés e a sujeira dos rios chegou, hoje, a uma dimensão invisível e subterrânea, exigindo ciência, tecnologia e políticas públicas sofisticadas.
A contaminação do solo e das águas subterrâneas nos ensina que os impactos mais perigosos nem sempre são os que vemos, e que a responsabilidade ambiental deve se estender por gerações.
O desafio contemporâneo é equilibrar desenvolvimento e preservação, tratando as áreas contaminadas não como passivos irrecuperáveis, mas como oportunidades de regeneração ambiental, social e econômica.