A evolução da captação da água subterrânea pelo Homem
A Evolução da Captação de Água Subterrânea: do Mundo Antigo à América do Sul
Mário Marcelino, Dr.
10/22/20255 min read


A Evolução da Captação de Água Subterrânea: do Mundo Antigo à América do Sul
Desde os primórdios da civilização, a água sempre foi o elemento essencial para a sobrevivência humana, a agricultura e o desenvolvimento das cidades. No entanto, nem sempre ela estava disponível à superfície. Foi dessa necessidade que nasceu uma das práticas mais antigas e engenhosas da humanidade: a captação de água subterrânea.
Ao longo da história, o ser humano aprendeu a identificar as fontes ocultas de água sob a terra e desenvolveu técnicas para alcançá-las — inicialmente com simples escavações, e mais tarde com obras hidráulicas de alta complexidade. Essa jornada, que começou há mais de cinco mil anos, acompanha a própria evolução da sociedade e da ciência.
🏺 As primeiras captações subterrâneas da Antiguidade
Os registros mais antigos de captação de água subterrânea remontam às civilizações que floresceram nas margens de grandes rios, como o Tigre, o Eufrates e o Nilo. Mesmo vivendo próximos a essas fontes, os povos antigos perceberam que, em períodos de seca ou em regiões mais afastadas, a água que se infiltrava no subsolo permanecia limpa e disponível.
Na Mesopotâmia, há evidências de poços escavados manualmente desde 3.000 a.C., com revestimento de pedras e tijolos de argila cozida. Eram estruturas simples, mas eficazes, usadas para abastecimento doméstico e pequenas plantações.
No Egito Antigo, os poços também eram comuns nas margens do Nilo. Os egípcios desenvolveram o shaduf, uma alavanca com balde, para elevar a água de poços e canais, mostrando que já dominavam princípios básicos de hidráulica.
No Vale do Indo (atual Paquistão e Índia), as cidades de Mohenjo-Daro e Harappa (cerca de 2.500 a.C.) possuíam poços revestidos de tijolos, com profundidades de até 15 metros — provavelmente as estruturas mais antigas de captação subterrânea conhecidas. Cada residência tinha acesso a um poço, demonstrando um notável avanço sanitário para a época.
🏔️ A engenharia subterrânea persa e o legado dos qanats
Por volta de 800 a.C., os persas desenvolveram um sistema que mudaria para sempre o uso da água subterrânea: os qanats (ou kariz). Tratava-se de galerias subterrâneas inclinadas que captavam a água de aquíferos e a conduziam por longas distâncias, utilizando apenas a gravidade. Ao longo do trajeto, eram abertos poços verticais que permitiam ventilação, iluminação e manutenção do sistema.
Os qanats se espalharam por todo o Oriente Médio, Norte da África e até a Península Ibérica, influenciando profundamente as técnicas hidráulicas posteriores. Muitos desses sistemas, com mais de 2.500 anos de idade, ainda funcionam hoje no Irã e em regiões áridas, provando a durabilidade e eficiência desse método ancestral.
🏛️ O legado greco-romano e o aperfeiçoamento das técnicas
Na Grécia Antiga e em Roma, os poços se tornaram comuns nas cidades e vilas. Os romanos aperfeiçoaram as construções, utilizando argamassa, pedras bem cortadas e sistemas de elevação com roldanas e bombas manuais. Além disso, desenvolveram aquedutos e galerias subterrâneas para coleta e distribuição da água — obras que influenciariam a engenharia hidráulica por séculos.
⚙️ Da Idade Média à Revolução Industrial
Durante a Idade Média, as técnicas de captação subterrânea se mantiveram estáveis. Poços e cisternas abasteciam castelos e vilas, e os qanats árabes continuavam sendo usados em regiões sob domínio islâmico, como o sul da Espanha.
Com o advento da Revolução Industrial, no século XIX, vieram as primeiras perfurações profundas mecanizadas. O uso de brocas e bombas a vapor inaugurou o conceito de poços tubulares, permitindo acessar aquíferos profundos antes inacessíveis. Esse avanço marcou o nascimento da hidrogeologia moderna, que passou a estudar cientificamente o comportamento das águas subterrâneas.
🌎 A captação subterrânea na América do Sul: os saberes ancestrais
Na América do Sul, o uso sistemático da água subterrânea surgiu de forma independente, especialmente entre as civilizações andinas que enfrentavam ambientes áridos e desafiadores.
O exemplo mais impressionante vem dos Nazcas, no atual sul do Peru. Entre 500 a.C. e 500 d.C., eles construíram um notável sistema de galerias subterrâneas conhecidas como Puquios.
Essas obras, comparáveis aos qanats persas, eram compostas por túneis escavados no subsolo que captavam a água de lençóis freáticos e a conduziam até a superfície. Ao longo dos túneis, os poços em espiral, chamados ojos de agua, permitiam a entrada de ar, a limpeza e a manutenção das galerias.
Os Puquios de Nazca são uma das maiores demonstrações de engenharia hidráulica pré-colombiana. A compreensão do fluxo subterrâneo e da gravidade, sem o uso de ferramentas metálicas modernas, revela um conhecimento empírico refinado sobre o comportamento das águas subterrâneas.
Mais impressionante ainda: muitos Puquios continuam ativos até hoje, abastecendo pequenas comunidades e áreas agrícolas no deserto peruano. São sistemas sustentáveis, que dependem apenas da recarga natural dos aquíferos.
🏞️ Outras práticas pré-colombianas de manejo subterrâneo
Além dos Nazcas, outras civilizações andinas desenvolveram práticas simples de captação e condução de águas de infiltração:
No Altiplano boliviano e chileno, há vestígios de poços rasos e canais subterrâneos curtos, utilizados para capturar água de vertentes e infiltrações.
No Equador e norte do Peru, arqueólogos identificaram poços rudimentares ligados a antigos assentamentos costeiros.
Já na Amazônia pré-colonial, embora o acesso aos rios fosse abundante, há registros de pequenas cavidades escavadas em áreas de várzea que serviam para armazenar água filtrada durante as secas — uma forma primitiva, mas engenhosa, de aproveitar o lençol freático superficial.
Com a chegada dos europeus, a partir do século XVI, foram introduzidas técnicas de poços manuais revestidos com pedra ou tijolo, comuns no Brasil colonial, em vilas e fazendas. Muitos desses poços, escavados no século XVIII, ainda estão em uso em regiões rurais.
🔬 A evolução moderna: da escavação à ciência dos aquíferos
A partir do século XIX, a perfuração mecânica permitiu acessar águas subterrâneas cada vez mais profundas. Com o avanço da geologia e da engenharia, surgiram os estudos hidrogeológicos, capazes de determinar a localização, profundidade e qualidade dos aquíferos.
No século XX, a captação subterrânea tornou-se essencial para o abastecimento urbano, rural e industrial, com o uso de poços tubulares profundos e sistemas de bombeamento elétrico. Ao mesmo tempo, cresceu a preocupação com a sustentabilidade e a recarga dos aquíferos, temas centrais da hidrogeologia moderna.
🌐 Uma herança de sabedoria e sustentabilidade
A história da captação de água subterrânea é, na verdade, a história da relação do homem com o meio ambiente. De simples poços escavados a complexas redes subterrâneas, cada cultura encontrou soluções adequadas ao seu território e clima.
Os qanats da Pérsia e os puquios de Nazca são exemplos de uma sabedoria ancestral que alia técnica, respeito à natureza e sustentabilidade — valores que permanecem atuais diante dos desafios hídricos do século XXI.
Enquanto as tecnologias modernas avançam, é importante lembrar que o conhecimento empírico acumulado ao longo dos milênios foi o que permitiu à humanidade dominar e preservar uma das suas mais preciosas riquezas: a água subterrânea, guardada silenciosamente sob nossos pés desde os primórdios da civilização.
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